segunda-feira, 28 de maio de 2012

UMA BATALHA DE XANGÔ


O REI DE OYÓ


Xangô, era rei de Oyó, governava sua cidade com prudência e justiça, e tudo corria bem em seu reino quando recebeu a notícia de que outro povo muito forte e numeroso atacaria sua cidade. O rei da cidade inimiga queria se apossar das terras de Oyó e fazer seus guerreiros escravos.

Xangô já havia passado por isso muitas outras vezes e nunca havia desistido, recuado ou se entregado a qualquer inimigo, por mais poderoso que fosse. Porém dessa vez era diferente, analisou a situação e viu que estava em larga desvantagem, todo seu povo junto era menos numeroso que o povo inimigo, e ainda metade dos guerreiros haviam partido para outro reino, onde participariam de uma confraternização aos deuses pela boa colheita da região. Imediatamente enviou um mensageiro para chamar os guerreiros de volta. Tentou ganhar tempo om o rei da tribo inimiga e propôs um acordo.

-Podemos chegar a um acordo, eu posso ceder uma parte do meu território a vocês, não precisamos guerrear entre nós.

-Nada disso, sabemos que sua tribo não dispõe de metade dos seus guerreiros e queremos todo seu território, se se renderem, posso poupar suas mulheres e crianças, levaremos os soldados como escravos, precisamos de braços fortes para construir nosso império. O rei inimigo falava isso enquanto ria com vontade, divertindo-se à custa da situação.

Xangô consultou o povo e seus soldados, disseram que não aceitariam ser escravos de ninguém, sendo assim preferiam morrer a ter que se submeter à escravidão. Xangô ponderou que eles poderiam partir com o exército inimigo e quando o resto de seu exército regressasse, eles iriam libertá-los. Os soldados disseram não confiar naquele rei que já havia demonstrado sua crueldade em outras guerras. Não havia alternativas, a não ser lutar.

A batalha foi ferrenha, com o sentimento de que não havia mais nada a perder, pois se vivessem seriam escravos, os guerreiros de Oyó lutaram como nunca lutaram antes. As mulheres do reino também entraram na batalha para defenderem a liberdade de seus maridos. Até as crianças do reino, vendo seus pais lutando com tanta fúria, entraram na batalha ao final do primeiro dia.

Porém a tribo inimiga era muito mais forte em força e número que a de Oyó. A guerra estava sendo perdida. Xangô, vendo seu povo cair um a um, seus soldados, suas mulheres e suas crianças morrendo, resolveu se retirar do campo de batalha. Refugiou-se nos montes próximo da cidade. O povo inimigo comemorou a vitória e adentrou a cidade no dia seguinte. Comeram, beberam, festejaram e saquearam a cidade, colocaram fogo em casas e templos e se preparavam para subir as montanhas para capturar o resto dos soldados já enfraquecidos.

Enquanto isso Xangô falava ao povo. -Não podemos baixar nosso moral, perdemos uma parte da batalha, mas ainda não perdemos a guerra. Se soldados nossos caíram no campo de batalha, soldados deles também caíram. Se continuássemos o combate naquela situação, em número inferior, seríamos dizimados. Foi preciso recuar para que eles pensassem que venceram e se distraíssem com o saque da cidade. Neste momento nossa legião de soldados caminha em nossa direção. Vamos aguardar os inimigos aqui e rezar a Oxalá para que nossos filhos cheguem a tempo.

Na manhã do terceiro dia a batalha teve início novamente. Mas no momento de iniciar o combate chegaram o restante dos filhos de Oyó, agora acompanhados por soldados das cidades vizinhas. Ao todo este exército formava um número três vezes maior que o da tribo inimiga. Os soldados, as mulheres e as crianças que haviam lutado na batalha anterior nem precisaram combater novamente. A tribo inimiga foi exterminada ao pé da montanha que protegia o reino de Oyó.

Depois dessa guerra Xangô ganhou ainda mais o respeito de seu povo e dos reis das cidades vizinhas. Apesar de uma situação tão adversa, não deixou de lutar por sua vida e liberdade, e ao sentir uma guerra perdida, não deixou de recuar no momento necessário para recompor suas forças.


Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

sexta-feira, 4 de maio de 2012

UMA MÃE DESESPERADA


DESESPERO NO MORRO

                Uma mulher desesperada procurou o centro aonde ia de vez em quando para suplicar ajuda em favor de seu filho que havia se envolvido com os traficantes do morro e agora corria perigo de ser morto. Já fazia um dia que ele não aparecia em casa e os boatos não eram nada animadores. A mulher já não tinha mais para quem pedir ajuda, os vizinhos já não aguentavam nem ouvir falar no garoto, sempre ajudavam a mãe e ele voltava a aprontar.

No caminho para o centro ela ia pensando qual seria o melhor orixá para ajudar seu filho. Logo pensou em Exu, o grande orixá protetor de todo terreiro e seus soldados que sempre assumem a linha de frente numa guerra. Depois pensou em Ogum, o guerreiro vencedor de demandas que adora uma batalha por uma causa justa. Depois veio Oxóssi, o caboclo de Oxalá, ou Xangô, o orixá da justiça. Assim, nesse pensar e se enchendo de fé esperança, a mulher foi caminhando em direção ao templo.

Naquela tarde a casa estava cheia, sua senha para ser atendida era uma das últimas. Enquanto esperava na assistência a sua vez, a mulher, cansada de noites sem dormir de preocupação pelo filho, entrou num sono profundo. Em seu sono ela conversou com os quatro Orixás que poderiam salvar seu filho.

Exu disse à mulher que o moleque não era flor que se cheirasse, ele havia procurado os problemas com suas próprias mãos, e que ele, Exu, respeitava acima de tudo a Lei Maior, a lei da causa e consequência, a lei que diz que para cada ação corresponde uma reação, então o moleque tinha que pagar por seus feitos.

Xangô disse à mulher que ele não gostava de injustiças e que o filho dela devia aos traficantes, por isso ele deveria pagar a dívida, e se os traficantes continuassem a incomodá-lo ela poderia procurá-lo.

Ogum respondeu à mulher que o filho se entregara àquela situação, assim, ele só poderia intervir se o filho o procurasse e tivesse disposto a lutar também. Ele, guerreiro da luz que é, só luta por quem faz por merecer.

Oxóssi respondeu que o guri era um ingrato, já havia o ajudado várias vezes e ele nunca havia voltado ali para agradecer, então era hora de ele pagar pelos seus feitos, para tudo na vida existe um limite.

A mulher desesperada acordou e ficou mais desesperada ainda. Em sua tristeza limitou-se a rezar em silêncio uma oração simples. Senhor Oxalá, tem misericórdia de sua filha, o menino é meu filho, não importa o quanto ele tenha errado, eu o amo. Levantou-se e, sem ânimo de ao menos passar pelos médiuns, entregou sua senha e foi para casa desanimada. A angústia havia tomado conta da pobre mulher, o caminho de volta para casa parecia mais triste que a ida ao centro. Parou várias vezes para chorar e quase chegou a desmaiar de fraqueza.

Chegando em casa, para sua surpresa seu filho a aguardava sossegadamente no sofá em frente à televisão. Ela o abraçou em prantos e perguntou o que houve, porque ele estava ali e tão sossegado.

Mãe, eu não sei o que aconteceu, só sei que os caras me pegaram e me levaram pra um beco, eu sabia que ia morrer porque aquele beco é onde ele acertam as contas com os devedores. Bem, eu já tinha dado minha vida por perdida e nessa hora pensava na senhora e porque eu não a ouvi antes e abandonei de vez essa vida. Ajoelhei como eles mandaram e esperei o pior. Ouvi um tiro, e em seguida vários outros na sequência. Abri os olhos e vi uns caras caídos no chão e os que não estavam caídos corriam para todas as direções. Eu também corri, nem sei pra onde. No corre-corre, pega-que-pega vim parar aqui à tarde. Depois fiquei sabendo pela tevê que a polícia tinha invadido o morro, matado os líderes da gangue, prendido o resto do bando e ocupado de vez o morro. Então acabou, mãe, não tem mais nada que se preocupar. Estou livre. Vou tentar me arrumar na vida de agora pra frente.

Na gira seguinte, a mãe, mesmo sem entender nada, foi agradecer o milagre, agora na companhia do filho. Ao ajoelhar ao pé do altar de Oxalá, teve uma visão esclarecedora. Uma onda de energia arrebatadora irradiou sobre ela e três mulheres se apresentaram à sua frente. Quem são as senhoras?

Eu sou Oxum, vim te ajudar porque és minha filha, sou sua protetora, além disso, sou mãe como você e sei do seu amor por seu filho.

Eu sou Iansã, vim te ajudar porque não gosto de ver o forte subjugar o fraco tão covardemente, além disso, sou mãe como você e não suporto ver um filho meu correndo perigo sem fazer nada.

Eu sou iemanjá, eu vim em teu socorro porque sua oração foi sincera, além disso, sou mãe como você e não consigo ver um filho tão amado pela mãe sofrendo sem fazer nada.

A mulher agradeceu mais uma vez às três mães e saiu do centro às pressas; algum tempo depois ela voltou, trazia em suas mãos três flores singelas, que as depositou uma no altar de Oxum, outra no altar de Iansã e outra no altar de Iemanjá.



Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá