O HOMEM DO TEMPO
Na estrada empoeirada de terra batida
e sob um sol escaldante que confundia a visão em miragens visionárias, aparecia
lá longe um vulto pequenino em movimento no horizonte. Lentamente o vulto ia se
avolumando até se distinguir entre a paisagem um carro de passeio vermelho
chegando à cidadezinha e levantando um poeirão atrás de si. O veículo parou bem
em frente a uma loja de produtos artesanais e dele desceram dois homens e duas
mulheres com ares de turistas, todos jovens. Após esticarem os músculos de
braços e pernas, o grupo confabulou entre si algumas tarefas e se dividiram,
enquanto as mulheres entraram na loja de artesanatos, os rapazes foram encher o
tanque do carro no posto de gasolina mais à frente. Depois de uma rápida olhada
no interior da loja, Janete, a mais nova, saiu para aguardar a amiga lá fora.
– Bom dia! Era uma voz grave que vinha do lado
da porta da loja, tratava-se de um velho senhor negro de barbas brancas, roupas
rotas, um chapéu de palha na cabeça e fumando um cachimbo sentado num banco de
madeira sob o toldo da varanda, ao lado dele havia um pedaço de pau, um violão
velho e no chão uma caixinha com umas moedas onde se lia um singelo OBRIGADO à
caneta. Como o homem sorria de forma simpática, Janete respondeu também de forma
simpática ao cumprimento do nativo. - A viagem está sendo boa? Quis saber o
preto velho.
– Está sim senhor. Estamos indo pra Santa
Luzia, paramos um pouco pra descansar, com esse tempo chegaremos hoje à noite
na cidade.
- E melhor ficarem por aqui hoje e
seguir amanhã, vai chover forte.
- Imagina olha o sol que está
fazendo, e o céu não tem nem nuvens. Temos que chegar logo não aguento mais
essa estrada.
-Nete, tem umas coisinhas muito
bacanas nesta loja, olha o que eu comprei para usar com aquele vestido. Era Patrícia,
a mais velha que saía da loja carregada de bugigangas.
- Pati, este senhor está dizendo que
vai chover forte e que é melhor a gente ficar por aqui hoje, pode?
-Bom dia, menina!
- Bom dia senhor. Há não, temos que
ir hoje, mesmo que chova.
Neste momento chegaram os rapazes a
pé para dar a notícia que o carro precisava de uns reparos e que só ia ficar
pronto mais tarde. Bem, o jeito era comer algo e esperar. O grupo se dirigiu a
uma lanchonete em frente da loja para a refeição. Da lanchonete, Janete e seus
amigos observaram que uma mulher trazia um moleque raquítico de uns quatro anos
pelas mãos e, após falar algo ao velho, este pegou umas ervas ao seu lado no
banco, pitou seu cachimbo e baforou no corpo da criança enquanto mexia com a
boca parecendo rezar algo. A mulher agradeceu o velho, jogou umas notas
amassadas na caixinha e foi embora.
Passada a refeição o grupo foi
sentar-se em frente à loja sob o toldo que oferecia uma sombra convidativa e
aproveitaram para conversar mais com o velho simpático. O velho pegou seu velho
violão e desfiou umas modas de viola de ponteio rasgado, conversou sobre os tempos
de outrora naquelas bandas, quando o senhor branco ainda mandava sob o fio do
chicote, contou histórias de assombração das matas e dos livramentos dos
caboclos de Oxóssi. A conversa seguiu nessa toada sem pressa até a sombra curta
do toldo se esticar para lá do meio da rua de terra poeirenta. Um rapaz veio
trazer o carro que já estava pronto e o estacionou junto à porta da loja. De
repente o céu se fechou e umas nuvens de chumbo se formaram sobre a cidade,
Janete sugeriu ficarem mais um pouco até que a chuva que parecia iminente
passar, ao que todos concordaram.
A chuva caiu torrencialmente sobre a
pequena cidade. As ruas logo viraram leito de rio e o carro ia afundando em
meio às águas lamacentas, para desespero dos turistas. Janete solicitou ajuda
ao velho.
- O senhor parece conhecer tantas
coisas, tem o poder da cura e disse que foi salvo tantas vezes dos perigos da
floresta, será que não tem o poder sobre o tempo também não?
O velho, que parecia tranquilo o
tempo todo, sorriu gostosamente entre a fumaça do cachimbo. – Na verdade eu não
tenho poder nenhum, nem de dar cura a ninguém, eu sou só um homem comum.
- Mas eu vi o senhor benzer aquele
menino, vi o jeito que a mulher agradeceu tão devotamente o senhor, ouvi como o
senhor profetizou a chuva quando não havia nem sinal de nuvem, e estas
histórias todas que o senhor contou pra nós...
-Na verdade eu só aprendi o que meus
pais me ensinaram, é que vocês não sabem ler o que está escrito na natureza,
não é só nuvem que é sinal de chuva. Sobre a cura, isso é com as ervas certas e
a fé das pessoas, não sou eu. Eu não tenho poder nenhum.
O grupo se resignou sob a inabalável
força da natureza, mas permaneceram de pé assistindo ao afogamento do veículo
que já estava acima da linha da porta àquela altura.
- Mas eu conheço quem tem o poder
sobre o tempo. Era o velho em tom maroto atrás da fumaça. Os jovens se animaram
novamente. – E quem é? Ele pode nos ajudar agora? Era o jovem mais alto do
grupo, o motorista.
- É a minha mãe. O velho pegou o
pedaço de pau a seu lado, na verdade sua bengala, levantou-se com dificuldade
e, encostado no mourão de sustentação da varanda, deu duas baforadas no cachimbo
para o alto, levantou seu cajado e gritou com uma força imprópria par sua
idade: - Eparrei, Iansã! Valei minha mãe guerreira que seus filhos precisam de
sua ajuda. Neste momento um raio cruzou o céu sob a mata no horizonte e um
trovão retumbou no ar sob a cidade. A chuva foi cessando imediatamente seu
chiado até parar de vez, para surpresa geral dos jovens boquiabertos.
Lentamente
a água das ruas foi baixando e logo só sobrou lama, que também secou logo
porque o sol voltou a brilhar no firmamento. Aquela noite os jovens dormiram na
cidade e aproveitaram para ouvir mais as histórias do velho sábio. No dia seguinte
a caixinha do velho amanheceu recheada de notas que ele nem sabia que existiam.