terça-feira, 27 de março de 2012

O BAILE DA POMBAGIRA


                       A DAMA DE ARUANDA

Bate o tambor no ritmo do coração umbandista

Da casa de Oxalá vem a Dama de Aruanda

Vem no passo dessa dança, no compasso dessa gira

Vem na força da mulher, no axé das energias

Balança, gira e roda a saia da Padilha

Flutua no ar os passos da bela dama

Roda, gira e volta no mesmo passo

Ela dança, ela gira, ela ri e seduz

Ela para e olha ao redor esbanjando seu charme

Uma cigarrilha entre os dedos

E os cabelos soltos aos ombros

Laça e leva consigo meu coração

A magia de seu olhar e a sabedoria de suas palavras

Me enfeitiçam, me atiçam, me ensinam e fascinam

E roda e roda a saia da cigana

E dança e balança esvoaçando seus cabelos

É brincadeira de roda, é gira de esquerda, é baile de rainhas

É a dama no centro roubando os corações

Hó, formosa dama dos meus sonhos

Me concede o prazer da contradança

Uma gargalhada reverbera no espaço

Pronto, eu sou seu eterno cativo

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

segunda-feira, 19 de março de 2012

MINHA MÃE ISANSÃ


A GUERREIRA

Eu sou um dos filhos da senhora Iansã, ela tem nove filhos e quando partiu deixou para nós um chifre de búfalo para que pudéssemos chamá-la através dele. Um dia, quando ela veio nos visitar, eu pedi para ela contar uma história, uma das muitas histórias que ela viveu nesse vasto mundo guerreando pelos seus. Sim, meu filho, eu posso contar muitas histórias que eu vivi nas minhas andanças por este mundo. Qual história você quer ouvir? Quero ouvir alguma história que a senhora viveu com Iemanjá, ouvi dizer que a senhora tem ciúmes dela, que não gosta dela. Isto é verdade, minha mãe?

Besteira, meu filho. Eu sou enviada de Oxalá, sou guerreira, sou mulher e sou mãe igual a ela, como posso ter ciúme, intriga ou qualquer outro sentimento ruim com a grande mãe? Eu sempre fui muito senhora de mim, sempre me garanti em qualquer situação e nunca arredei o pé de qualquer batalha, jamais neguei um pedido de um filho meu. Por eu ter amado Ogum, recebi dele uma espada para entrar em qualquer batalha e sair vitoriosa. Por eu ter amado Xangô, o rei de Oió, recebi dele o segredo do raio e do fogo que sai pela boca. Por eu ter ajudado o homem mais bonito que conheci, Obaluaê, ele me ensinou os segredo do domínio sobre os mortos. Ossaim me ensinou os mistérios das ervas e o poder da cura de qualquer enfermidade. Eu domino também os ventos e tempestades. Desta forma muitas tribos me chamam para ajudá-las nas mais diversas situações, e eu sempre auxilio a todos que me pedem ajuda, sem distinção. Durante algum tempo eu ajudei uma tribo de guerreiros perto do mar do norte, eu era sua guardiã e protetora. Esse povo era muito forte e próspero, e possuía muitas riquezas em seu território, por isso eram sempre atacados pelas tribos vizinhas. Como eu era a guardiã deles, sempre que me chamavam eu estava presente nas lutas e eles sempre saíam vencedores e sempre aumentando mais e mais seu poder. Com o tempo as tribos vizinhas perceberam que não adiantavam seus ataques porque eles eram muito fortes e ainda eram ajudados por mim. Então permaneceram algum tempo sem atacá-los, juntando forças para um ataque combinado e mais elaborado. Essa guerra foi boa. As tribos se enfrentavam com ferocidade e o sangue dos guerreiros lavava o chão do campo de batalha. O combate durou dias. Eu atacava o inimigo sem dó e inspirava os outros guerreiros que também lutavam por suas vidas. No terceiro dia de luta, quando já não pisávamos no chão, mas somente em corpos, apareceu do meio de uma das tribos inimigas um guerreiro realmente forte. Este ia dar trabalho, pensei, ia valer a pena lutar. Naquele momento todos já estávamos exaustos, mas lutávamos por nossas vidas. Para minha surpresa aquele bravo parecia inteiro e cada golpe seu era carregado de uma força descomunal. Na verdade o guerreiro havia sido uma surpresinha de última hora das tribos inimigas; eles o deixaram de fora da batalha os dois dias anteriores para descansar e assim acabar comigo quando eu já estivesse bastante cansada.

Eu realmente não sabia o que fazer. A fome e o cansaço me dominando e o guerreiro avançando sobre mim com toda sua fúria; os golpes pareciam vir de todos os lados. Já tinha dado o combate por perdido, mas não ia me entregar, não sem antes deixá-lo sem algum braço ou feri-lo um pouco para que outro guerreiro pudesse terminar o serviço mais tarde. Foi quando eu senti uma força atrativa me puxando para o mar. Não sabia o que era, mas fui atraindo o inimigo para lá. Foi aí que tudo começou a mudar. O guerreiro precisou tirar sua pesada armadura para poder se movimentar melhor na água e assim ficou mais vulnerável. Mas ainda assim ele era muito forte e ágil. Contrariando toda a lógica, fui sentido minhas forças se renovando mais e mais a cada momento. Parecia que alguma outra força, até maior que a minha, me dominava. Eu não sabia o que era, só sabia que eu tinha o controle do combate naquele momento. Após algum tempo o guerreiro, sem alternativas, procurou dar fuga ao combate. Seria bom ver aquele gigante correndo entre seus pares, assustado, mas era preciso terminar a luta com dignidade. Mais um pouco e eu cravei minha espada em seu ventre. O gigante se contorceu tanto que acabou arrastando a valiosa espada que Ogum me dera de presente com ele para o fundo do mar. Era o fim da batalha para minha tribo. O campo estava tomado de sangue e corpos por todos os lados, e os que estavam vivos quase não paravam em pé. Minha tribo nem comemorou a vitória.

Enquanto estávamos esbaforidos contando nossos mortos, uma figura feminina muito doce saiu do mar e caminhou em minha direção. Ela carregava minha espada em sua mão direita e me entregou olhando docemente em meus olhos. Percebi que aqueles domínios eram dela e fora ela quem me arrastara para lá, para que pudesse me ajudar com sua força maior que a minha. Como pode uma figura parecer tão frágil e tão doce e ainda possuir tamanha força, pensei comigo enquanto olhava no fundo de seus olhos azuis. Eu pousei minha cabeça no chão lavado de sangue de bravos guerreiros e a agradeci, todos os sobreviventes fizeram o mesmo. Sem dizer nada, com seu mesmo ar doce ela se virou e entrou no mar novamente.

Nesse dia eu aprendi uma lição, meu filho. Não importa quantas armas você tenha ou o quão poderoso você seja, você sempre precisa de alguém, e nós nunca podemos recusar uma ajuda amiga.



Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

terça-feira, 13 de março de 2012

UM CANTO PARA OXUM




OXUM


Lá no alto da montanha, nos verdejantes reinos de Oxóssi, nasceu um veio de água vindo do ventre da mãe terra, reino de Oxalá. Um cristalino e pequenino brotão de água a princípio, mas mal nasceu e já foi correndo pelos braços de Oxóssi morro abaixo. A floresta, que tirava dali sua fonte de energia, percebendo o barulho melodioso, melancólico e intermitente que a pequena corredeira fazia na descida, resolveu chamá-la de Oxum. Não demorou muito para que o senhor das matas notasse a formosura da pequena serelepe correndo em seu reino e enriquecendo seu solo com sua presença. À medida que avançava, o volume de água aumentava e a corredeira ia crescendo, até se transformar numa bela e deslumbrante correnteza cheirando a frescor da juventude. Na descida pelo solo acidentado da colina, Oxum entoava seu canto doce e carregava consigo os olhares e desejos de cada morador da mata. Com seu desejo desperto, Oxóssi, o senhor das matas, se enamorou da linda jovem. A bela Oxum gostou daquele flerte e deixou-se entregar com verdadeira paixão a seu protetor. Com ele conheceu os segredos do amor e para ele dedicou seus melhores carinhos. E desse romance logo surgia outros riachos em desdobramentos a correr pela floresta.



Porém Oxum não sossega, ela é inquieta, não sabe esperar. Raramente ela para por alguns momentos em algum rio que o possessivo Oxóssi abre no meio do caminho para aprisioná-la. Mas isso é só por alguns momentos, em pouco tempo lá se vai ela correndo novamente, parecendo atender a algum chamado urgente mais abaixo da montanha.



Uma vez solta das amarras do lago, a bela correnteza desliza suave pelas pedreiras das terras de Xangô. O contato das águas com o duro e rochoso reino de Xangô muda logo o tom da canção de Oxum. É amor ao primeiro toque. A canção que a bela traz em seus lábios agora embala o namoro aberto do senhor das pedreiras com ela. No início é um romance leve, Xangô é conquistador e sabe cativar uma dama, sabe deixá-la à vontade em seus braços e respeitar seu tempo e seu ritmo. Quando a bela jovem se apercebe, já está se entregando sem reservas ao mestre das rochas. Os dois amantes não descansam, e nessa atividade passam dia e noite. O amor parece ter pressa de acontecer, e não ter hora para acabar, é voraz. E os dois seguem ziguezagueando nessa bulinação e deslizando montanha abaixo; e é lá embaixo, onde a montanha parece terminar bruscamente num sobressalto, para começar novamente numa grande pedra a alguns metros mais abaixo, que Oxum se derrama com toda a força de sua correnteza, todo ardor e beleza sobre as costas de seu amado. Ali Oxum se lança em cascata, entregando-se sem medidas, sem medo e sem reservas ao amante, ali acontece o clímax do ato de amor do senhor das pedras e da bela Oxum. E a canção agora já não é mais um canto doce e melancólico, esse frenesi amoroso produz um som estridente de chiado, parecendo que o fogo de Xangô finalmente encontrou quem o aplacasse. De longe, um observador atento pode enxergar um véu de água cristalina espalhar-se sobre as pedras, são os amantes em celebração das núpcias. Um pouco mais abaixo e a bela, extasiada, vai descansar no leito de um calmo rio especialmente preparado para ela por seu amado. A busca inquietante de Oxum afinal encontra descanso no peito de Xangô.



Passado o momento de descanso, enquanto Xangô repousa da batalha do amor, Oxum segue seu caminho rumo ao destino final, agora refeita, completa. Segue um pouco mais em ritmo lento até finalmente encontrar, nas águas salgadas do mar, os braços abertos da Mãe Iemanjá prontos para recebê-la em seu regaço.







Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá



domingo, 11 de março de 2012

EXU CAVEIRA


SEGURANÇA

Na praça central da cidade há muitas pessoas aproveitando o sol na tarde de domingo. As crianças brincam na área de brinquedos sob a vigilância de suas mães, os jovens aproveitam para namorar na grama verdinha à sombra das árvores, os ambulantes vendem seus objetos artesanais e os seguranças rondam a praça a pé na ocupação de encarar as pessoas. Entre os ambulantes está dona Nice, a baiana vendedora de acarajés, e entre os seguranças está seu Geraldo, homem esguio, alto, forte e muito bem para seus quarenta e oito anos de idade bem vividos. Há muitas pessoas na praça nessa tarde, assim como há diversos olhares sobre os acontecimentos. Os jovens olham apaixonadamente seus pares, os ambulantes olham os clientes passarem, os seguranças olham problemas em todos os cantos, as mães olham seus filhos no parque e as crianças só têm olhos para seus brinquedos.

Mas há também um tipo bem comum em qualquer praça de qualquer canto do mundo: os desocupados moradores de rua que, sem verem perspectivas na vida, aproveitam para pedir algo aos transeuntes.  Nessa tarde, um desses desocupados já bem mamado de cachaça na cabeça, se desentende com outro colega de ofício e surta no meio da praça com uma grossa barra de ferro na mão. Todos os olhares da praça se dirigem logo para o surtado que ameaçava qualquer um que tentasse se aproximar. As mães viram um homem sem o carinho e a proteção de uma mãe na infância, os ambulantes viram alguém atrapalhando os clientes, os seguranças viram um problema a ser resolvido imediatamente, os jovens viram um homem que precisava urgentemente de uma mulher para amar e as crianças viram um adulto que não sabia brincar.

Enquanto a praça acompanhava a cena, os seguranças tentavam conversar com o homem e fazê-lo largar a arma no chão. Em vão. Seu Geraldo, que até então estava a distância observando seus parceiros, aproximou e, olhando firme no olho do pobre homem, ordenou-lhe que largasse aquela barra para conversar. Sem chance. O homem, além de não atendê-lo, espetou-o com o ferro na altura da barriga. Seu Geraldo não viu mais nada, partiu para cima do agressor e este, erguendo sua grossa barra de ferro, também partiu para o ataque ao mesmo tempo. Todos da praça viram a iminente desgraça de seu Geraldo acontecer ali mesmo; menos dona Nice, que viu o tempestuoso Exu Caveira tomar a frente do segurança.

 – Exu omojubá! A baiana pedia proteção para o homem de bem. O Caveira, levantando rapidamente a mão esquerda de seu protegido, aparou a barra de ferro em sua própria mão e, num ato quase simultâneo, levou a outra mão de seu Geraldo à garganta do desafortunado estrangulando-o e imobilizando-o. Os outros seguranças tiveram um trabalhão danado pra tirar a mão de seu Geraldo daquele pescoço sujo.

Ao término do espetáculo todos viram, incrédulos, a grossa barra de ferro amassada justamente na extremidade que atingira seu Geraldo, e constataram, surpresos, o segurança sem um arranhão sequer.

Mais tarde a baiana ofereceu um acarajé de graça para seu Geraldo e disse o que tinha visto. Disse também para ele evitar este tipo de combate porque o Caveira não brinca em serviço, quando ele vai, vai pra matar.

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quarta-feira, 7 de março de 2012

ADOREI AS ALMAS


O HOMEM DO TEMPO

Na estrada empoeirada de terra batida e sob um sol escaldante que confundia a visão em miragens visionárias, aparecia lá longe um vulto pequenino em movimento no horizonte. Lentamente o vulto ia se avolumando até se distinguir entre a paisagem um carro de passeio vermelho chegando à cidadezinha e levantando um poeirão atrás de si. O veículo parou bem em frente a uma loja de produtos artesanais e dele desceram dois homens e duas mulheres com ares de turistas, todos jovens. Após esticarem os músculos de braços e pernas, o grupo confabulou entre si algumas tarefas e se dividiram, enquanto as mulheres entraram na loja de artesanatos, os rapazes foram encher o tanque do carro no posto de gasolina mais à frente. Depois de uma rápida olhada no interior da loja, Janete, a mais nova, saiu para aguardar a amiga lá fora.

 – Bom dia! Era uma voz grave que vinha do lado da porta da loja, tratava-se de um velho senhor negro de barbas brancas, roupas rotas, um chapéu de palha na cabeça e fumando um cachimbo sentado num banco de madeira sob o toldo da varanda, ao lado dele havia um pedaço de pau, um violão velho e no chão uma caixinha com umas moedas onde se lia um singelo OBRIGADO à caneta. Como o homem sorria de forma simpática, Janete respondeu também de forma simpática ao cumprimento do nativo. - A viagem está sendo boa? Quis saber o preto velho.

 – Está sim senhor. Estamos indo pra Santa Luzia, paramos um pouco pra descansar, com esse tempo chegaremos hoje à noite na cidade.

- E melhor ficarem por aqui hoje e seguir amanhã, vai chover forte.

- Imagina olha o sol que está fazendo, e o céu não tem nem nuvens. Temos que chegar logo não aguento mais essa estrada.

-Nete, tem umas coisinhas muito bacanas nesta loja, olha o que eu comprei para usar com aquele vestido. Era Patrícia, a mais velha que saía da loja carregada de bugigangas.

- Pati, este senhor está dizendo que vai chover forte e que é melhor a gente ficar por aqui hoje, pode?

-Bom dia, menina!

- Bom dia senhor. Há não, temos que ir hoje, mesmo que chova.

Neste momento chegaram os rapazes a pé para dar a notícia que o carro precisava de uns reparos e que só ia ficar pronto mais tarde. Bem, o jeito era comer algo e esperar. O grupo se dirigiu a uma lanchonete em frente da loja para a refeição. Da lanchonete, Janete e seus amigos observaram que uma mulher trazia um moleque raquítico de uns quatro anos pelas mãos e, após falar algo ao velho, este pegou umas ervas ao seu lado no banco, pitou seu cachimbo e baforou no corpo da criança enquanto mexia com a boca parecendo rezar algo. A mulher agradeceu o velho, jogou umas notas amassadas na caixinha e foi embora.

Passada a refeição o grupo foi sentar-se em frente à loja sob o toldo que oferecia uma sombra convidativa e aproveitaram para conversar mais com o velho simpático. O velho pegou seu velho violão e desfiou umas modas de viola de ponteio rasgado, conversou sobre os tempos de outrora naquelas bandas, quando o senhor branco ainda mandava sob o fio do chicote, contou histórias de assombração das matas e dos livramentos dos caboclos de Oxóssi. A conversa seguiu nessa toada sem pressa até a sombra curta do toldo se esticar para lá do meio da rua de terra poeirenta. Um rapaz veio trazer o carro que já estava pronto e o estacionou junto à porta da loja. De repente o céu se fechou e umas nuvens de chumbo se formaram sobre a cidade, Janete sugeriu ficarem mais um pouco até que a chuva que parecia iminente passar, ao que todos concordaram.

A chuva caiu torrencialmente sobre a pequena cidade. As ruas logo viraram leito de rio e o carro ia afundando em meio às águas lamacentas, para desespero dos turistas. Janete solicitou ajuda ao velho.

- O senhor parece conhecer tantas coisas, tem o poder da cura e disse que foi salvo tantas vezes dos perigos da floresta, será que não tem o poder sobre o tempo também não?

O velho, que parecia tranquilo o tempo todo, sorriu gostosamente entre a fumaça do cachimbo. – Na verdade eu não tenho poder nenhum, nem de dar cura a ninguém, eu sou só um homem comum.

- Mas eu vi o senhor benzer aquele menino, vi o jeito que a mulher agradeceu tão devotamente o senhor, ouvi como o senhor profetizou a chuva quando não havia nem sinal de nuvem, e estas histórias todas que o senhor contou pra nós...

-Na verdade eu só aprendi o que meus pais me ensinaram, é que vocês não sabem ler o que está escrito na natureza, não é só nuvem que é sinal de chuva. Sobre a cura, isso é com as ervas certas e a fé das pessoas, não sou eu. Eu não tenho poder nenhum.

O grupo se resignou sob a inabalável força da natureza, mas permaneceram de pé assistindo ao afogamento do veículo que já estava acima da linha da porta àquela altura.

- Mas eu conheço quem tem o poder sobre o tempo. Era o velho em tom maroto atrás da fumaça. Os jovens se animaram novamente. – E quem é? Ele pode nos ajudar agora? Era o jovem mais alto do grupo, o motorista.

- É a minha mãe. O velho pegou o pedaço de pau a seu lado, na verdade sua bengala, levantou-se com dificuldade e, encostado no mourão de sustentação da varanda, deu duas baforadas no cachimbo para o alto, levantou seu cajado e gritou com uma força imprópria par sua idade: - Eparrei, Iansã! Valei minha mãe guerreira que seus filhos precisam de sua ajuda. Neste momento um raio cruzou o céu sob a mata no horizonte e um trovão retumbou no ar sob a cidade. A chuva foi cessando imediatamente seu chiado até parar de vez, para surpresa geral dos jovens boquiabertos.
            Lentamente a água das ruas foi baixando e logo só sobrou lama, que também secou logo porque o sol voltou a brilhar no firmamento. Aquela noite os jovens dormiram na cidade e aproveitaram para ouvir mais as histórias do velho sábio. No dia seguinte a caixinha do velho amanheceu recheada de notas que ele nem sabia que existiam.

terça-feira, 6 de março de 2012

A SABEDORIA DO MARINHEIRO


O SENHOR DO MAR


Não sei se era o mar que estava agitado aquele dia, se era o tempo que estava cinza ou se era meu coração apertado que dava aquela sensação. Só me lembro que realmente eu não estava bem, uma chateação, um misto de coisa ruim com depressão havia tomado conta de mim desde quinta feira e eu resolvera dar um passeio pela praia. Fui com a mulher e as crianças e, enquanto eles ainda dormiam, saí cedo para um passeio, já que não conseguia dormir mesmo. Sentei na areia macia e fiquei ali observando o vai e vem constante das ondas. Enquanto eu estava absorto nos pensamentos da semana, um sujeito saiu da água e veio em minha direção. Fiquei surpreso, não havia percebido a presença de ninguém nadando ali. Era um senhor branco, alto, forte e pele queimada de sol. O sujeito veio em minha direção e me acenou com um bom dia, estranhei, pois a praia estava vazia àquela hora da manhã. Respondi ao cumprimento e ele sentou a pouca distância de mim olhando o horizonte marinho. Ficamos em silêncio por pouco tempo. O homem então me chamou a atenção para a beleza do sol já um pouco acima da linha do mar. Era realmente era um espetáculo fascinante que eu ainda não havia notado por estar distraído com meus problemas. Sorri meio sem graça em sinal de concordância, ao que ele disse que aquele espetáculo se repetia todos os dias e quase ninguém apreciava. Isso era verdade, eu pensei. Percebendo meu silêncio triste, o nadador perguntou se estava incomodando e se eu preferia ficar só. Eu disse que não e falei que estava passando por uma fase difícil, mas que não era nada com ele.


A parir daí o senhor começou a contar algumas histórias que se passara com ele no mar. Disse que era um marinheiro e que, por passar mais tempo na água que em terra, tudo o que sabia aprendeu com ele, o mar. Contou-me contou sobre as correntes marinhas e como elas podem ser perigosas e traiçoeiras, mas, se bem aproveitadas, como elas facilitam a viagem do navio. Como os homens se guiam à noite apenas pelas estrelas no firmamento quando os equipamentos falham. Falou sobre os sonhos dos marinheiros com as lendárias sereias e seus cantos que enfeitiçam a tripulação, dos balés das baleias e dos giros dos saltitantes golfinhos. Da sabedoria adquirida em toda uma vida sobre a lâmina d’água. Da sensação gostosa quando se chega a algum porto distante, da dificuldade de adaptação em terra e da sensação de desequilíbrio, da alegria incontrolável quando o navio levanta âncora e parte novamente para alto mar. Por fim me confidenciou que não há nada mais profundo e misterioso e encantador que o oceano, que perto dele e da sua força nós nos tornamos minúsculos e nossos problemas são como um grão daquela areia da praia, e que, mesmo vivendo uma vida inteira balançando sobre o casco do navio, não chegou a descobrir um isso dele. Deu-me umas dicas de como permitir que as águas salgadas levem nossos problemas para suas profundezas, de como entrar nelas com respeito e devoção e me banhar em sua fonte de energia revitalizante.


Suas palavras eram profundas e por vezes calmas, por vezes tempestuosas, como o próprio mar. Enquanto o tal homem me falava tudo aquilo eu podia sentir a profundeza de suas palavras, e um sentimento de abraço acolhedor de mãe ia me envolvendo e me fazendo sentir seguro. Nessa conversa o tempo foi passando que eu nem percebi o adiantado das horas e como a praia já contava com muitos banhistas àquela hora. Nesse instante minha mulher vinha chegando com as crianças me acenando ainda de longe, foi quando o marinheiro se despediu e, dizendo que precisava ir pra casa, saiu caminhando devagar em direção ao mar; achei que ele ia dar mais um mergulho antes de partir, mas o perdi de vista logo. Ela me deu um beijo, sorriu e disse que eu parecia melhor, perguntei se ela tinha visto o senhor que conversava comigo e ela disse que não, que ao chegar me viu sozinho na praia. Não quis contrariá-la e procurei com os olhos o senhor pela água. Nada. Só o mar e o chiado das ondas cantarolando na beira da praia.

 Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá


OGUM YÊ


FERRAZ


Ninguém trabalha na polícia, ninguém tem emprego de policial, polícia não é profissão, ou o sujeito é polícia ou não é; vejo muito moleque chegar com uma idéia errada na polícia e depois de três ou quatro meses na rua pedir baixa. Veja o senhor... Zé, traz outra cerveja! Outro dia eu estava numa ocorrência dos diabos. Aquele dia eu e o Cabo Santos rondávamos à toa pelos lados da Estrada da Capela, lá pelos lados do Bairro novo, quando era só mato e barro por lá. Obrigado, Zé, bem gelada, vire o copo, isso; não tínhamos nada que fazer ali, era o hábito da rotina, um dia tranquilo e uma tarde modorrenta depois do almoço, estávamos devagar, como as ruas eram de terra algumas poças de água barrenta aqui e ali sujavam a viatura e eu só pensava no trabalho que ia dar pra lavar aquilo. Mesmo sendo uma rotina, sabíamos que tinha que ficar alertas, porque quando entramos em qualquer lugar ermo, já entramos espertos e de armas em punho. Mas não deu nem tempo de usá-las ou de apontarmos para alguma coisa, quando vimos já estávamos sendo alvos de vários tiros de uma só vez, chovia balas em nossa direção. Como os tiros vinham da frente e do lado esquerdo da viatura, pulei para fora pela porta direita, enquanto o Santos deitava nos bancos dianteiros. Antes de eu puxar o gatilho, em meio ao barulho infernal dos pipocos e balas zunindo nos ouvidos, o Cabo gritou que havia sido atingido no ombro, mesmo assim ele procurava com a ponta da pistola sobre o painel a direção para onde atirar. Os tiros eram tantos e tão seguidos que eu não conseguia levantar a cabeça para olhar quantos atiravam ou de onde partiam. Com o tempo agente passa a reconhecer pelo barulho e pelo estrago que a bala faz que tipo de arma está sendo usada, era claro que eles usavam revólveres e pistolas, e percebi que eram pelo menos uns três do outro lado, e pelo jeito tinham bastante munição, pois não paravam de atirar. Eu colocava apenas a pistola para fora e atirava na direção contrária; o parceiro deitado na viatura pedia ajuda pelo rádio e levantava a cabeça, apenas para ver onde atirar, e mandava ver. Olha, por mais que você receba um bom treinamento para enfrentar este tipo de situação e por mais que se enfrente esse tipo de ocorrência, a verdade é que você nunca se acostuma e nunca acha que está realmente preparado para essa hora. Com o barulho das balas em sua direção o coração dispara imediatamente e tudo o que o cérebro acumulou de conhecimento em anos de profissão se desorganiza, entra em caos. Mas todo mundo sabe, em qualquer situação de perigo, qualquer uma, o pior inimigo é o desespero, se você se desespera o medo te domina e não o deixa reagir direito. Mesmo assim há um breve momento de descontrole entre o disparo da arritmia e o instinto de sobrevivência, aí o cérebro começa a te alertar para manter o controle. Numa destas levantadas de cabeça do Santos para ver em quem estava atirando, uma bala o atingiu na testa e ele perdeu os sentidos. Ouvi o grito curto e percebi que ele parou de atirar, chamei por ele para que não me deixasse sozinho naquela situação e não obtive resposta, achei que estivesse morto e, justamente quando eu começava a controlar o medo, comecei a achar que era meu fim. Os tiros diminuíram a intensidade e já havia um tempo maior entre um pipoco e outro, o ruim é que agora eram todos na minha direção. Aproveitei o momento e estiquei o braço, alcançando o mike do rádio dentro da viatura para apressar o socorro. Nesse momento, me lembrei que havia uma metralhadora sobre o banco traseiro, não pensei duas vezes, puxei a danada por entre os bancos dianteiros, estava carregada até o talo. Eu sabia que, estando sozinho, ela não faria muita diferença, mas pelo menos eu tinha mais munição até eles, quem sabe, fugirem ou chegar algum reforço. Percebi que os tiros agora não vinham de uma só direção, os bandidos, aproveitando minha desvantagem, começavam a se espalhar, aumentando o raio de ação, logo eu estaria totalmente cercado. Lutando contra a razão querendo entrar novamente em desespero, me dizendo que minha desvantagem era enorme, meu coração, acho que foi isso, me fez levar a mão por entre a camisa e o colete onde eu carregava uma imagem de São Jorge pendurada ao pescoço. Não sei se foi insanidade, se foi instinto de sobrevivência, burrice ou um lampejo de inteligência, só sei que beijei o santinho, juntei a metranca no peito e clamei instintivamente, - Valei, meu pai Ogum! Não deixa eu morrer agora. Saravá! Levantei e segui justamente na direção dos tiros - que não pararam - espremendo o gatilho no guarda-mata e espalhando a ponta do cano da metralhadora em todas as direções, os tiros comiam soltos em sucessões de RRRRRRs para todo lado. Vi um cair logo a minha frente e outro alvejado pelas costas quando corria daquela fúria insana, o outro, atrás de uma moita, eu nem vi cair. Só soltei o gatilho depois de alguns segundos das munições terem acabado.

Os tiros haviam cessado, o silêncio era absoluto. Sem conferir se estavam ou não mortos, corri para a viatura, colocando o Cabo no banco de trás e, num cavalo-de-pau que levantou poeira, virei o carro e corri para a autoestrada em direção a um hospital. Ao chegar ao hospital, não tive tempo para dar explicações, desmaiei antes de completar a primeira frase à enfermeira. Dois dias depois, ao acordar, fiquei sabendo que o Cabo Santos havia sobrevivido e que eu recebera três tiros, um de raspão no pescoço, outro no ombro e um na perna direita, nada sério.

Zé, mais uma gelada! Essa você paga.

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

SALVE IEMANJÁ


A DAMA, O CAVALHEIRO E O MONSTRO


Iemanjá, a Rainha do mar, a Senhora dos Navegantes, a Sereia, a Yara, do alto de seu altar construído em frente à igreja de São Jorge, na praça dos alagados, caminha em direção ao horizonte num olhar doce e lânguido, as mãos levemente estendidas para receber a todos os necessitados de proteção no mar ou na terra. O movimento parado no tempo e eternizado na memória do povo sugere a eterna benevolência da mãe do mar e de todos os Orixás. Na igreja em frente é dia do santo da casa, e os devotos carregam nos ombros o estandarte com o santo guerreiro, seu inseparável cavalo branco e, claro, seu inseparável inimigo sempre prestes a ser lancinado, não sem esboçar uma certa contrariedade. O estandarte fora minuciosamente preparado no dia anterior com madeira de imbuia e muitas flores vermelhas e o santo, este ano em tamanho natural, fora reformado, repintado e com capacete e armadura de verdade a lhe cobrirem. Uma reluzente armadura no peito e um lindo capacete romano na cabeça. Os fieis, num mesmo passo cerimonial, avançam lentamente em direção à porta da igreja, também reformada para a festa. É manhã de domingo e Iemanjá observa o séquito em preces e cantorias que se acotovela para tocar o Santo. Iemanjá já estava acostumada ao espetáculo, todos os anos os fieis apareciam com o estandarte, mas neste ano eles capricharam, o santo estava deslumbrante, parecia mais alto e mais forte. O fio do bigode mais preto e a pele de gesso branco, atingida pelos raios do sol, dourava. Como podia tanta valentia em um só homem? O perigo ali, sob as patas de seu cavalo, quase a lhe arrancar as pernas, a lhe chamuscar a ventas, e ele impassível, rosto sereno e gestos calmos, pensava consigo a deusa dos mares.


O sol, refletido na armadura lustrosa de São Jorge, fere o olhar da Rainha do mar. Quanta insolência, não bastasse construírem ali sua igreja, ainda aquela afronta de cegá-la com o sol. “Mil perdões, minha senhora, não foi intenção minha esse movimento e a idéia de tão brilhante armadura também não foi minha, mil perdões, odoyá”. O dragão, sob as patas do grande cavalo branco, virou seu olhar flamejante àquela figura doce sobre o altar, o cavalo seguiu o exemplo. Além de tudo o cavalheiro era gentil, pensou a dama das águas. “Não foi nada, meu senhor, sei que isso acontece.” O cavaleiro destemido prossegue na mesura: “Minha senhora, aceitaria o convite para minha festa, a casa é grande, cabem todos.” Iemanjá agradece: “Eu bem que gostaria, meu senhor, mas ficarei esperando aqui fora, nesta igreja não me deixam entrar, para eu aí entrar, tenho de me converter em Nossa Senhora dos Navegantes, só assim eles me aceitam.” “Tenha a santa paciência, senhora minha, sou eu, o dono da festa quem a está convidando”. A velha senhora responde com gentileza: “Nobre cavalheiro, há muitos e muitos anos você com seu cavalo derrota o dragão e inspira força a este povo com seu gesto de grande valentia, porém há uma força maior que esse monstro e que nem você, nem eu e nem todos os Santos e Orixás podem derrotar, a força do preconceito e da intolerância”.


O dragão baixou os olhos e engoliu seco o próprio fogo, o cavalo, antes imponente, ficou murcho e o santo guerreiro se resignou a seu ofício empunhando firme a lança.  O séquito, indiferente à discussão, seguiu em frente. No interior da igreja ainda estava escuro.




Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quinta-feira, 1 de março de 2012

EXU VELUDO


O PROTEGIDO


Ainda se ouviam o toque dos atabaques no terreiro quando certo espírito atrasado, um kiumba muito forte e resoluto, já corria a cumprir uma missão encomendada por uma bela mulher ferida de ciúme. A missão era ferir o corpo e atrapalhar a vida de um ex-namorado da tal mulher enciumada. A pouca distância do rapaz, quando o kiumba se preparava para começar seu trabalho, o poderoso Exu Veludo se colocou no caminho entre ele e o rapaz. - Calma lá, aonde vai com tanta pressa, meu caro?


Surpreso, o kiumba, que não gostava de dar explicações em missões, impacientou-se.


- Eu recebi uma missão, há alguém sofrendo por causa desse sujeito e eu tenho que ensinar uma lição a ele.


- Acontece que esse sujeito aí é meu protegido e eu não vou deixá-lo passar para fazer nenhum mal a ele. O kiumba, pertencente às falanges inferiores, mas muito valente, imediatamente puxou sua espada e o desafiou a enfrentá-lo ali mesmo. Neste instante apareceram quatro outras entidades guerreiras ao lado do Veludo, um parrudo índio de arco e flechas pendurados às costas, uma mulher trazendo à mão uma espada, um homem alto e forte com roupa de marinheiro e um outro não menos forte com trajes orientais.


Uma vigorosa e grave gargalhada do kiumba em tom desafiador então se reverberou no espaço carregado de energias. – Eu vou cumprir minha missão a qualquer custo, pode vir quantos quiser, eu não vou voltar sem fazer meu trabalho para o qual fui designado.


De um lado Veludo e a mulher de espadas em riste, o caboclo de arco e flechas na mão e os outros dois prontos para o combate, do outro o irredutível kiumba obsessor e sua espada; a batalha já ia começar quando uma luz azulada se fez presente, era a rainha Iemanjá que aparecia tentando apaziguar as coisas. – Meus filhos, não há necessidade de luta, acho que podemos chegar a um acordo.


- Odoiá, minha mãe! Falou o Veludo fazendo reverência e sendo seguido pelos outros guardiões do rapaz, para nós, o único acordo possível é ele deixar nosso protegido em paz e ir embora.


- Pois para mim, o único acordo possível é eles saírem do meu caminho e deixar que eu faça meu trabalho, retrucou o impassível obsessor.


Seguiu-se a partir daí uma série de argumentação da grande mãe tentando dissuadir o espírito atrasado de seguir em frente. Nada adiantou. Foi então que Oxalá, que observava tudo atenta e calmamente a distância, aproximou-se de Iemanjá e sussurrou algumas palavras em seu ouvido. A Dama das águas, após ouvi-lo, concordou com um gesto positivo e passou apenas a observar a contenda.


Sem acordo possível, o kiumba, que não abaixara por um momento sequer sua espada, atirou-se com uma bala de canhão sobre os três guerreiros protetores, que se mantiveram firmes de armas em punho. Um brado de caboclo misturou-se outros gritos de guerra, porém, neste momento, Iemanjá emitiu uma poderosa onda de energia azul paralisando e afastando os cinco guerreiros e abrindo caminho para o maldoso egum passar ileso por eles. Surpreso com o resultado do combate que não acontecera, o egum soltou sua gargalhada característica e, embainhando a espada,  seguiu em direção ao rapaz para realizar seu trabalho.


Chegando mais perto, ele observou que o rapaz era um fracote com cara de bobo, não entendeu porque uma mulher tão linda iria se apaixonar por um idiota daquele. Bem, o jeito era começar logo. Aproximou-se mais um pouco e percebeu algo estranho, o rapaz não tinha só a cara de bobo, seu ar era distante e seus gestos atrapalhados. Uma energia totalmente estranha bloqueava a má intenção do egum. Sem compreender o mistério, pôs-se a escutar o coração do rapaz e notou que este batia mais forte que o normal e totalmente descompassado. Percebeu também que ali havia um misto de alegria e dor que era a causa do descompasso do coração. O maldoso kiumba passou então perscrutar a mente do homem e notou que este só tinha um pensamento, uma mulher também com cara de idiota. A tal mulher preenchera todo o pensamento do rapaz, ele estava completamente encantado por ela e aquela energia vinha justamente daquele estado de encantamento em que ele se encontrava. Percebendo que naquele estado era impossível qualquer intervenção maligna, o kiumba soltou mais uma vez sua vigorosa gargalhada e bateu-se em retirada; a mulher enciumada que curtisse sua dor sozinha, ele tinha coisas mais importante a fazer que lutar contra o irascível amor.




Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá