Iemanjá, a Rainha
do mar, a Senhora dos Navegantes, a Sereia, a Yara, do alto de seu altar
construído em frente à igreja de São Jorge, na praça dos alagados, caminha em
direção ao horizonte num olhar doce e lânguido, as mãos levemente estendidas
para receber a todos os necessitados de proteção no mar ou na terra. O
movimento parado no tempo e eternizado na memória do povo sugere a eterna
benevolência da mãe do mar e de todos os Orixás. Na igreja em frente é dia do
santo da casa, e os devotos carregam nos ombros o estandarte com o santo
guerreiro, seu inseparável cavalo branco e, claro, seu inseparável inimigo
sempre prestes a ser lancinado, não sem esboçar uma certa contrariedade. O
estandarte fora minuciosamente preparado no dia anterior com madeira de imbuia
e muitas flores vermelhas e o santo, este ano em tamanho natural, fora reformado,
repintado e com capacete e armadura de verdade a lhe cobrirem. Uma reluzente
armadura no peito e um lindo capacete romano na cabeça. Os fieis, num mesmo
passo cerimonial, avançam lentamente em direção à porta da igreja, também
reformada para a festa. É manhã de domingo e Iemanjá observa o séquito em
preces e cantorias que se acotovela para tocar o Santo. Iemanjá já estava
acostumada ao espetáculo, todos os anos os fieis apareciam com o estandarte,
mas neste ano eles capricharam, o santo estava deslumbrante, parecia mais alto
e mais forte. O fio do bigode mais preto e a pele de gesso branco, atingida
pelos raios do sol, dourava. Como podia tanta valentia em um só homem? O perigo
ali, sob as patas de seu cavalo, quase a lhe arrancar as pernas, a lhe
chamuscar a ventas, e ele impassível, rosto sereno e gestos calmos, pensava
consigo a deusa dos mares.
O sol,
refletido na armadura lustrosa de São Jorge, fere o olhar da Rainha do mar.
Quanta insolência, não bastasse construírem ali sua igreja, ainda aquela
afronta de cegá-la com o sol. “Mil perdões, minha senhora, não foi intenção
minha esse movimento e a idéia de tão brilhante armadura também não foi minha,
mil perdões, odoyá”. O dragão, sob as patas do grande cavalo branco, virou seu
olhar flamejante àquela figura doce sobre o altar, o cavalo seguiu o exemplo. Além
de tudo o cavalheiro era gentil, pensou a dama das águas. “Não foi nada, meu
senhor, sei que isso acontece.” O cavaleiro destemido prossegue na mesura: “Minha
senhora, aceitaria o convite para minha festa, a casa é grande, cabem todos.” Iemanjá
agradece: “Eu bem que gostaria, meu senhor, mas ficarei esperando aqui fora,
nesta igreja não me deixam entrar, para eu aí entrar, tenho de me converter em
Nossa Senhora dos Navegantes, só assim eles me aceitam.” “Tenha a santa
paciência, senhora minha, sou eu, o dono da festa quem a está convidando”. A
velha senhora responde com gentileza: “Nobre cavalheiro, há muitos e muitos
anos você com seu cavalo derrota o dragão e inspira força a este povo com seu
gesto de grande valentia, porém há uma força maior que esse monstro e que nem
você, nem eu e nem todos os Santos e Orixás podem derrotar, a força do
preconceito e da intolerância”.
O dragão baixou os olhos e
engoliu seco o próprio fogo, o cavalo, antes imponente, ficou murcho e o santo
guerreiro se resignou a seu ofício empunhando firme a lança. O séquito, indiferente à discussão, seguiu em
frente. No interior da igreja ainda estava escuro.
Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá
GRANDE Zeca de Oxossi, adorei!!!!Mas, imaginava Iemanjá uma linda mulher morena de igualmente beleza nos olhos, para mim foi uma grata surpresa, não a Iemanjá, mas o meu nobre colega de escrita, ou melhor junta palavra.Um forte abraço, saudades de vcs.
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