terça-feira, 13 de março de 2012

UM CANTO PARA OXUM




OXUM


Lá no alto da montanha, nos verdejantes reinos de Oxóssi, nasceu um veio de água vindo do ventre da mãe terra, reino de Oxalá. Um cristalino e pequenino brotão de água a princípio, mas mal nasceu e já foi correndo pelos braços de Oxóssi morro abaixo. A floresta, que tirava dali sua fonte de energia, percebendo o barulho melodioso, melancólico e intermitente que a pequena corredeira fazia na descida, resolveu chamá-la de Oxum. Não demorou muito para que o senhor das matas notasse a formosura da pequena serelepe correndo em seu reino e enriquecendo seu solo com sua presença. À medida que avançava, o volume de água aumentava e a corredeira ia crescendo, até se transformar numa bela e deslumbrante correnteza cheirando a frescor da juventude. Na descida pelo solo acidentado da colina, Oxum entoava seu canto doce e carregava consigo os olhares e desejos de cada morador da mata. Com seu desejo desperto, Oxóssi, o senhor das matas, se enamorou da linda jovem. A bela Oxum gostou daquele flerte e deixou-se entregar com verdadeira paixão a seu protetor. Com ele conheceu os segredos do amor e para ele dedicou seus melhores carinhos. E desse romance logo surgia outros riachos em desdobramentos a correr pela floresta.



Porém Oxum não sossega, ela é inquieta, não sabe esperar. Raramente ela para por alguns momentos em algum rio que o possessivo Oxóssi abre no meio do caminho para aprisioná-la. Mas isso é só por alguns momentos, em pouco tempo lá se vai ela correndo novamente, parecendo atender a algum chamado urgente mais abaixo da montanha.



Uma vez solta das amarras do lago, a bela correnteza desliza suave pelas pedreiras das terras de Xangô. O contato das águas com o duro e rochoso reino de Xangô muda logo o tom da canção de Oxum. É amor ao primeiro toque. A canção que a bela traz em seus lábios agora embala o namoro aberto do senhor das pedreiras com ela. No início é um romance leve, Xangô é conquistador e sabe cativar uma dama, sabe deixá-la à vontade em seus braços e respeitar seu tempo e seu ritmo. Quando a bela jovem se apercebe, já está se entregando sem reservas ao mestre das rochas. Os dois amantes não descansam, e nessa atividade passam dia e noite. O amor parece ter pressa de acontecer, e não ter hora para acabar, é voraz. E os dois seguem ziguezagueando nessa bulinação e deslizando montanha abaixo; e é lá embaixo, onde a montanha parece terminar bruscamente num sobressalto, para começar novamente numa grande pedra a alguns metros mais abaixo, que Oxum se derrama com toda a força de sua correnteza, todo ardor e beleza sobre as costas de seu amado. Ali Oxum se lança em cascata, entregando-se sem medidas, sem medo e sem reservas ao amante, ali acontece o clímax do ato de amor do senhor das pedras e da bela Oxum. E a canção agora já não é mais um canto doce e melancólico, esse frenesi amoroso produz um som estridente de chiado, parecendo que o fogo de Xangô finalmente encontrou quem o aplacasse. De longe, um observador atento pode enxergar um véu de água cristalina espalhar-se sobre as pedras, são os amantes em celebração das núpcias. Um pouco mais abaixo e a bela, extasiada, vai descansar no leito de um calmo rio especialmente preparado para ela por seu amado. A busca inquietante de Oxum afinal encontra descanso no peito de Xangô.



Passado o momento de descanso, enquanto Xangô repousa da batalha do amor, Oxum segue seu caminho rumo ao destino final, agora refeita, completa. Segue um pouco mais em ritmo lento até finalmente encontrar, nas águas salgadas do mar, os braços abertos da Mãe Iemanjá prontos para recebê-la em seu regaço.







Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá



6 comentários:

  1. Lindo, lindo, lindo!!!!

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  2. Lindo demais, como tudo relacionado a Minha Mãe.
    Adorei este conto.
    Parabéns meu irmão por esse espaço maravilhoso!
    Marcia

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  3. Nunca havia lido um texto da minha amada mãe, com tanto amor!!
    Parabéns! lindo demais,sua mãe é Oxum? ou seu grande amor?
    Lindo, lindo, lindo!!
    Os demais tb são belos!

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    1. Gratidão pela força, irmã. Minha mãe é Iansã, mas sabe como é, né, impossível não ser contaminado pela beleza de Oxum.
      Só mais uma coisa, seria bom postar algum nome pra eu agradecer de forma mais pessoal. abçs

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    2. Axé meu irmão, meu nome é Heliana Lourenço. Tem uma mãe muito forte! Que ela ilumine sua coroa.

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