O PROTEGIDO
Ainda se ouviam
o toque dos atabaques no terreiro quando certo espírito atrasado, um kiumba
muito forte e resoluto, já corria a cumprir uma missão encomendada por uma bela
mulher ferida de ciúme. A missão era ferir o corpo e atrapalhar a vida de um
ex-namorado da tal mulher enciumada. A pouca distância do rapaz, quando o
kiumba se preparava para começar seu trabalho, o poderoso Exu Veludo se colocou
no caminho entre ele e o rapaz. - Calma lá, aonde vai com tanta pressa, meu caro?
Surpreso, o kiumba,
que não gostava de dar explicações em missões, impacientou-se.
- Eu recebi
uma missão, há alguém sofrendo por causa desse sujeito e eu tenho que ensinar
uma lição a ele.
- Acontece que
esse sujeito aí é meu protegido e eu não vou deixá-lo passar para fazer nenhum
mal a ele. O kiumba, pertencente às falanges inferiores, mas muito valente, imediatamente
puxou sua espada e o desafiou a enfrentá-lo ali mesmo. Neste instante
apareceram quatro outras entidades guerreiras ao lado do Veludo, um parrudo índio
de arco e flechas pendurados às costas, uma mulher trazendo à mão uma espada,
um homem alto e forte com roupa de marinheiro e um outro não menos forte com
trajes orientais.
Uma vigorosa e
grave gargalhada do kiumba em tom desafiador então se reverberou no espaço
carregado de energias. – Eu vou cumprir minha missão a qualquer custo, pode vir
quantos quiser, eu não vou voltar sem fazer meu trabalho para o qual fui
designado.
De um lado Veludo
e a mulher de espadas em riste, o caboclo de arco e flechas na mão e os outros
dois prontos para o combate, do outro o irredutível kiumba obsessor e sua espada;
a batalha já ia começar quando uma luz azulada se fez presente, era a rainha
Iemanjá que aparecia tentando apaziguar as coisas. – Meus filhos, não há
necessidade de luta, acho que podemos chegar a um acordo.
- Odoiá,
minha mãe! Falou o Veludo fazendo reverência e sendo seguido pelos outros
guardiões do rapaz, para nós, o único acordo possível é ele deixar nosso
protegido em paz e ir embora.
- Pois para
mim, o único acordo possível é eles saírem do meu caminho e deixar que eu faça
meu trabalho, retrucou o impassível obsessor.
Seguiu-se a
partir daí uma série de argumentação da grande mãe tentando dissuadir o espírito
atrasado de seguir em frente. Nada adiantou. Foi então que Oxalá, que observava
tudo atenta e calmamente a distância, aproximou-se de Iemanjá e sussurrou
algumas palavras em seu ouvido. A Dama das águas, após ouvi-lo, concordou com
um gesto positivo e passou apenas a observar a contenda.
Sem acordo
possível, o kiumba, que não abaixara por um momento sequer sua espada,
atirou-se com uma bala de canhão sobre os três guerreiros protetores, que se
mantiveram firmes de armas em punho. Um brado de caboclo misturou-se outros
gritos de guerra, porém, neste momento, Iemanjá emitiu uma poderosa onda de
energia azul paralisando e afastando os cinco guerreiros e abrindo caminho para
o maldoso egum passar ileso por eles. Surpreso com o resultado do combate que
não acontecera, o egum soltou sua gargalhada característica e, embainhando a
espada, seguiu em direção ao rapaz para
realizar seu trabalho.
Chegando mais
perto, ele observou que o rapaz era um fracote com cara de bobo, não entendeu
porque uma mulher tão linda iria se apaixonar por um idiota daquele. Bem, o
jeito era começar logo. Aproximou-se mais um pouco e percebeu algo estranho, o
rapaz não tinha só a cara de bobo, seu ar era distante e seus gestos
atrapalhados. Uma energia totalmente estranha bloqueava a má intenção do egum.
Sem compreender o mistério, pôs-se a escutar o coração do rapaz e notou que
este batia mais forte que o normal e totalmente descompassado. Percebeu também
que ali havia um misto de alegria e dor que era a causa do descompasso do coração.
O maldoso kiumba passou então perscrutar a mente do homem e notou que este só
tinha um pensamento, uma mulher também com cara de idiota. A tal mulher
preenchera todo o pensamento do rapaz, ele estava completamente encantado por
ela e aquela energia vinha justamente daquele estado de encantamento em que ele
se encontrava. Percebendo que naquele estado era impossível qualquer
intervenção maligna, o kiumba soltou mais uma vez sua vigorosa gargalhada e
bateu-se em retirada; a mulher enciumada que curtisse sua dor sozinha, ele
tinha coisas mais importante a fazer que lutar contra o irascível amor.
Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá
Excelente texto.
ResponderExcluirSaravá, Salve! Ave! Viva! Shalom! Namastê! Laroiê! Mojubá! Pavanã! Malê, Maleime (Maleme, Malembe), Agô! Eterna, Infinitamente, Agradecido, Grato (Mesmo), por tudo de bom, a mim! Sempre! Axé!...
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