terça-feira, 6 de março de 2012

A SABEDORIA DO MARINHEIRO


O SENHOR DO MAR


Não sei se era o mar que estava agitado aquele dia, se era o tempo que estava cinza ou se era meu coração apertado que dava aquela sensação. Só me lembro que realmente eu não estava bem, uma chateação, um misto de coisa ruim com depressão havia tomado conta de mim desde quinta feira e eu resolvera dar um passeio pela praia. Fui com a mulher e as crianças e, enquanto eles ainda dormiam, saí cedo para um passeio, já que não conseguia dormir mesmo. Sentei na areia macia e fiquei ali observando o vai e vem constante das ondas. Enquanto eu estava absorto nos pensamentos da semana, um sujeito saiu da água e veio em minha direção. Fiquei surpreso, não havia percebido a presença de ninguém nadando ali. Era um senhor branco, alto, forte e pele queimada de sol. O sujeito veio em minha direção e me acenou com um bom dia, estranhei, pois a praia estava vazia àquela hora da manhã. Respondi ao cumprimento e ele sentou a pouca distância de mim olhando o horizonte marinho. Ficamos em silêncio por pouco tempo. O homem então me chamou a atenção para a beleza do sol já um pouco acima da linha do mar. Era realmente era um espetáculo fascinante que eu ainda não havia notado por estar distraído com meus problemas. Sorri meio sem graça em sinal de concordância, ao que ele disse que aquele espetáculo se repetia todos os dias e quase ninguém apreciava. Isso era verdade, eu pensei. Percebendo meu silêncio triste, o nadador perguntou se estava incomodando e se eu preferia ficar só. Eu disse que não e falei que estava passando por uma fase difícil, mas que não era nada com ele.


A parir daí o senhor começou a contar algumas histórias que se passara com ele no mar. Disse que era um marinheiro e que, por passar mais tempo na água que em terra, tudo o que sabia aprendeu com ele, o mar. Contou-me contou sobre as correntes marinhas e como elas podem ser perigosas e traiçoeiras, mas, se bem aproveitadas, como elas facilitam a viagem do navio. Como os homens se guiam à noite apenas pelas estrelas no firmamento quando os equipamentos falham. Falou sobre os sonhos dos marinheiros com as lendárias sereias e seus cantos que enfeitiçam a tripulação, dos balés das baleias e dos giros dos saltitantes golfinhos. Da sabedoria adquirida em toda uma vida sobre a lâmina d’água. Da sensação gostosa quando se chega a algum porto distante, da dificuldade de adaptação em terra e da sensação de desequilíbrio, da alegria incontrolável quando o navio levanta âncora e parte novamente para alto mar. Por fim me confidenciou que não há nada mais profundo e misterioso e encantador que o oceano, que perto dele e da sua força nós nos tornamos minúsculos e nossos problemas são como um grão daquela areia da praia, e que, mesmo vivendo uma vida inteira balançando sobre o casco do navio, não chegou a descobrir um isso dele. Deu-me umas dicas de como permitir que as águas salgadas levem nossos problemas para suas profundezas, de como entrar nelas com respeito e devoção e me banhar em sua fonte de energia revitalizante.


Suas palavras eram profundas e por vezes calmas, por vezes tempestuosas, como o próprio mar. Enquanto o tal homem me falava tudo aquilo eu podia sentir a profundeza de suas palavras, e um sentimento de abraço acolhedor de mãe ia me envolvendo e me fazendo sentir seguro. Nessa conversa o tempo foi passando que eu nem percebi o adiantado das horas e como a praia já contava com muitos banhistas àquela hora. Nesse instante minha mulher vinha chegando com as crianças me acenando ainda de longe, foi quando o marinheiro se despediu e, dizendo que precisava ir pra casa, saiu caminhando devagar em direção ao mar; achei que ele ia dar mais um mergulho antes de partir, mas o perdi de vista logo. Ela me deu um beijo, sorriu e disse que eu parecia melhor, perguntei se ela tinha visto o senhor que conversava comigo e ela disse que não, que ao chegar me viu sozinho na praia. Não quis contrariá-la e procurei com os olhos o senhor pela água. Nada. Só o mar e o chiado das ondas cantarolando na beira da praia.

 Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá


2 comentários:

  1. Acho muito boa a Gira do Povo do Mar , tem muita sabedoria e eles são muito divertidos, pricipalmente quando querem te deixar muito avontade, sendo eles bem descontraidos.

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    1. Agradeço pela visita, Pena Dourada. Isso q você falaou é verdade. neste conto eu pensei mais na Rainha Mãe, Yemanjá enviando alguém para aquietar o coração peturbado de um filho. A energia que rola ali, pra mim, é de Iemanjá.
      Visite-no sempre, pois teremos sempre novos contos e nos ajude a divulgar a beleza da cultura umbandista
      Abç

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