segunda-feira, 12 de novembro de 2012

CHICO XAVIER CHEGA AO PARAÍSO


CHICO XAVIER NO CÉU

                Quando o corpo de Chico Xavier, já velho e cansado, morreu aqui na Terra, seu espírito foi recebido lá no céu. Conta que ele vinha subindo as escadas celestiais devagarinho, passo a passo como um velhinho cansado da vida - porque pensava que ainda era um velhinho - e Emanuel, que o acompanhava, lhe disse: - Vamos, irmão, você está sendo esperado com bastante entusiasmo lá em cima, apresse-se! - Chico ficou sem entender e o mentor lhe disse para olhar para si mesmo e perceber sua nova condição, ele não era mais um velhinho, seu espírito sempre fora jovem e agora estava livre daquele corpo velho e cansado. Olhando para si mesmo, Chico então percebeu seu novo estado físico e firmou-se sobre as pernas jovens puxando o fôlego em seus pulmões de atleta, subindo as escadas quase que correndo.

                Ao chegar às portas do céu, duas colunas de anjos perfilados à direita e à esquerda o aguardavam com cânticos celestiais belíssimos, tão belos que somente no céu mesmo para se produzir tamanha beleza de cânticos. Tudo era tão branco, tão transparente, tão límpido, tão suave, tão belo e a música tão maravilhosa que Chico perguntou a Emanuel se era alguma data especial ou se o céu era sempre assim mesmo, sempre aquela cantoria. Emanuel lhe respondeu que aquela festa era especialmente para ele, para recepcioná-lo. Chico, com seu jeito tímido e discreto, de imediato quis recusar a recepção toda, mas logo foi reconhecendo no final das fileiras de anjos perfilados algumas figuras resplandecentes que ele conhecera quando recebia suas mensagens aqui na Terra e as transcrevia. Foi correndo para abraçá-los, mas então uma outra figura ainda mais resplandecente apareceu no meio deles e abriu os abraços para recebê-lo. Era o próprio Jesus Cristo em pessoa. Chico, ao reconhecê-lo, pôs-se de joelhos e sentido a emoção, pensou em chorar. Porém, na presença do Senhor não há choro, nem de alegria, e foi com estranha satisfação que Chico percebeu a mão do Senhor estendida a sua frente a lhe amparar. Chico segurou a mão do mestre e levantou-se lentamente. Já em pé, frente a frente com o filho de Deus, Chico, que não conseguia chorar, apenas sorria seu sorriso mineiro. Então o Senhor o trouxe para junto de seu peito e o abraçou com carinho fraterno, um abraço de irmãos que, embora sempre conectados, não se viam há muito tempo. Chico Xavier então foi transpassado por uma onda energética de luz que poucos seres no universo tiveram o prazer de senti-la com tanta intensidade. O abraço durou algum tempo, parecia que o Senhor realmente tinha satisfação em vê-lo pessoalmente. – Bem vindo ao seu lar, irmão, nós estamos orgulhosos de você. - Falou o metre, olhando em seus olhos. Chico, com seu jeito tímido de caipira mineiro adquirido aqui na Terra, não sabia onde esconder o rosto de tanta vergonha, também adquirida aqui na Terra. Pensava no trabalho que estava dando ao Senhor e aos anjos celestiais com toda aquela recepção desnecessária, pois ele preferia entrar quietinho, bem caladinho como um bom mineiro, por uma portinha lateral sem chamar a atenção de ninguém, sem dar trabalho. Só queria estar ali.

Então a legião de anjos e os outros seres celestiais resplandecentes entoaram um coro de palmas e Chico ficou ainda mais envergonhado. Parecia que o céu, com todos seus moradores, toda sua beleza, toda sua energia celestial havia parado para homenagear o mineiro de Uberaba. Mas o Senhor logo lhe disse: - Irmão, você é mais que especial para nós, sinta-se especial. - Logo vieram seus amigos a lhe abraçar também e serem contagiados por aquela onda energética de luz que o mestre o havia transpassado. Assim, Francisco Cândido Xavier foi recebido no céu, seu verdadeiro lar. Deste então o céu passou contar com a mineirices do nosso amado irmão Chico Xavier.

 

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A RQUESTRA DE ARES


ARQUEIROS

A guerra se aproximava, não era mais uma guerra simplesmente, mas a guerra. Os povos do norte vinham por duas frentes, pela encosta montanhosa ao norte e pelo mar em centenas de navios, a noroeste. Nosso povo não iria se render com facilidade, mas havia, entre os membros do conselho, quem pensasse que dessa vez o melhor seria tentar um acordo de paz com o inimigo, mesmo sabendo que isso nos custaria vidas, liberdade e impostos; um preço muito alto para um povo acostumado a lutar e conquistar impérios.

Assim eu, que nunca havia pegado em um arco antes, fora recrutado para as fileiras dos arqueiros, o batalhão de elite entre os pelotões de guerra. Era um privilégio estar ali, mas eu sabia que era por causa da minha juventude, minha boa visão e meu corpo ainda não mutilado, atributos raros entre povos guerreiros. Eu fazia parte de um grupo de cem jovens que iniciariam um treinamento para ser arqueiro. Poucos tinham alguma experiência anterior com arco e flecha. Nosso instrutor era um comandante considerado herói de guerra por anos de batalhas memoráveis e que se tornaram lendas entre os povos do sul. Ficar diante daquele homem, por si só já era uma honra para qualquer um. Nos primeiros dias quem nos recebeu foi seu braço direito, Direito, sim, esse era seu nome, Direito. Ele só possuía o olho direito, seu olho diretor na mira com o arco. Após alguns dias treinando os braços e atirando em alvos de couro a nossa frente, pouco progresso havia sido feito, e o dia da batalha se aproximava. Nossos prognósticos não eram nada animadores.

Na manhã do quarto dia uma surpresa, o comandante do pelotão dos arqueiros, Máximus, veio pessoalmente nos recepcionar no campo de treinamento. À frente do pelotão perfilado, ele levantou seu vozeirão e contou algumas histórias de outros grupos que ele havia treinado e que estavam bem piores que o nosso e com menos tempo de treinamento, e mesmo assim foram decisivos na formação de nosso reino. Ao final do discurso, deu a ordem ao seu imediato para que todos parassem o treinamento imediatamente e fossem ao liceu de artes aprender a tocar arpa. Ninguém entendeu nada daquela ordem, no entanto, Direito, já acostumado aos costumes poucos convencionais de seu chefe, cumpriu a ordem sem nenhum sinal de estranhamento. No liceu, cada candidato a arqueiro pegou um arpa e recebeu instruções dos alunos e professores para dedilhar o instrumento. Foi um festival de desafinação, de notas dissonantes e cordas se quebrando entre os dedos mais acostumados ao trato da espada ou da enxada. Assim foi no primeiro dia, no segundo e no terceiro. Já estávamos com saudades do arco, à espera que o professor finalmente desistisse de nós e nos enviasse novamente ao campo de treinamento. Foi quando nosso comandante apareceu no pátio. Atravessou o corredor central sem dizer nada, tomou uma arpa e tocou o instrumento com uma precisão impressionante. Era curioso ver aquelas mãos pesadas deslizar agilmente seus dedos entre as cordas frágeis da arpa; seus olhos fechados e seu rosto em transe davam-lhe um aspecto ainda mais lendário. O próprio professor parou para ver o espetáculo. Ao final do último acorde, o comandante, encarando a plateia hipnotizada, disse: - Isso, senhores, é a música da guerra. Cada nota despertada é uma flecha lançada. São essas notas que despertam os deuses da guerra. Toquem elas suavemente aqui e vocês conseguirão lançar suas flechas com mais precisão. Lembrem-se, Apolo nunca dispensou sua lira, e, no entanto é o melhor atirador de flechas entre os deuses, melhor até que Eros, que tem como único instrumento o arco e flecha.

A partir daquele momento nossa dedicação aumentou, todos queríamos aprender a tirar música daquele instrumento divino. Alguns dias depois já entendíamos de notas, semi-notas, oitavas a cima e a baixo. De volta ao campo de treinamento, com as melodias ainda na mente, nossas flechas eram mais precisas, o couro as recebia com certa receptividade. Trocamos as forças dos braços pela suavidade e precisão dos dedos.

Chegou o dia da guerra. Todos perfilados para dar início ao combate. O pelotão de frente, a infantaria com suas espadas e escudos já gritavam seus brados de guerra na iminência de avançar sobre o inimigo. Sabíamos que o primeiro acorde daquela sinfonia era nosso, dos arqueiros, estrategicamente colocados por último, ao lado dos cavaleiros. Os primeiros soldados do inimigo, a pé, já avançava gritando, babando, mostrando toda sua fúria sobre nós. Nesses gritos parecia que os deuses mais raivosos da guerra estavam com eles. O temor entre nosso povo foi geral. Nesse momento, Máximo, nosso comandante, se colocou diante do pelotão e falou:

-Arqueiros, agora é conosco, vamos tocar nossa música de embalar os deuses! Lembrem-se de afinar bem seus instrumentos para que cada nota saia perfeita, os deuses são exigentes. Sintam o ritmo do coração e toquem suas cordas o melhor que puderem, nossas vidas dependem disso. A primeira nota é minha.

O comandante esticou seu arco e disparou uma flecha solitária que cruzou o campo e foi se alojar no peito de um soldado barbudo logo após atravessar seu escudo. Nota perfeita. Ao sinal do imediato, levantamos nossos arcos devidamente abastecidos com suas flechas e disparamos ao mesmo tempo uma chuva de flechas que derrubou toda a primeira falange de soldados inimigos. Notas perfeitas. A partir daí cada um compunha a sinfonia com seu melhor toque. A música podia ser ouvida nos assobios sibilantes das flechas que cruzavam o campo, nos passos interrompidos dos soldados inimigos e em seus gritos de dor ao serem atingidos em alguma parte do corpo. Nossos primeiros soldados avançavam, e também eram alvos das flechas que vinham do outro lado. A música tinha seus repiques. Ao atirar as flechas, eu só ouvia a música tocada pelo comandante dias antes naquela sala do liceu, o ritmo, acompanhando as batidas do coração, agora era mais acelerado. Nossos sentidos eram arrebatados por alguma força superior que nos fazia atirar, atirar e atirar. Na verdade, eu já não sabia se estava tocando ou atirando. O arco era uma extensão de meu corpo. No meio de tanta fúria e carnificina, era possível ver Ares, o deus da guerra, dançando sua marcha imperial ao som da sinfonia macabra. E nós, arqueiros, caprichávamos nos acordes a cada flecha lançada. Os soldados e os cavaleiros também tiravam suas notas de seus instrumentos, mas cabia a nós a parte melódica do baile de Ares.

Vencemos mais uma guerra com poucas baixas de nossos soldados graças, sobretudo, a nossa habilidade com o arco. Os deuses apreciaram nossos acordes. Após essa batalha, nosso pelotão, sob o comando de Máximus, adquiriu ainda mais respeito e nossa fama precedia as batalhas. Passamos a ser conhecidos como a orquestra de Ares.

 

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá – Ao meu pai - Okê Arô!

terça-feira, 19 de junho de 2012

UMA OFERENDA ESPECIAL A IEMANJÁ

DOIS DE FEVEREIRO (EBÓ YÁ)

Zé voltava do Mercado municipal satisfeitíssimo com seu meio quilo de camarão defumado no banco de trás do carro. A Rainha Mãe merecia o melhor, sua energia protetora estava sendo sentida muito forte nas últimas semanas e agora, às vésperas de seu dia, era hora de oferendar algo muito especial em agradecimento. Zé resolveu fazer o melhor para ela, ia fazer o ebó yá, um prato raro nas oferendas, tanto pela dificuldade de achar os ingredientes quanto pelo preparo cheio de regras e cuidados. Mas bom filho de santo sabe como é, escolhe os maiores e mais perfeitos grãos, o animal mais belo, as folhas mais verdinhas, o melhor camarão; enfim, tudo do melhor. Zé chegou em casa e colocou os camarões junto com os outros ingredientes que havia comprado durante a semana. Ele mesmo iria preparar esse prato. A oferenda seria no dia seguinte.

Naquela noite, cozinhou a canjica, sem tempero, somente na água. Levou a canjica à torneira num escorredor e deixou esfriar na água corrente. Os grandes camarões defumados, Zé deitou-os sobre uma frigideira com um fino fio de azeite branco, deixou dourar levemente e tampou, cozinhando apenas o suficiente para ficar no ponto. O cheiro se tornava irresistível. A Rainha Mãe ia gostar.

Colocou três folhas de mamona sobre um balaio médio de palha e sobre elas despejou suavemente a canjica cozida. Os camarões ornamentaram a borda do cesto em fileira douradas, parecendo querer sair do prato. Sobre eles, Zé derramou com todo cuidado mais um pouco um finíssimo fio de azeite branco, apenas um pouquinho. É preciso cuidado, pois o azeite de dendê é quizila de Oxalá e a canjica é a comida principal dele, por isso é bom não arriscar, não colocar muito azeite sobre a canjica. Por fim Zé cortou algumas rodelas de cebola branca e espalhou sobre ela. Pronto, o prato estava completo. Ao término, uma oração cheia de esperanças em agradecimento pela honra de poder oferendar a iguaria. A Rainha Mãe iria gostar, com certeza.

Ainda de madrugada, Zé partiu com a família e os apetrechos no carro em direção à praia. Tudo tranquilo, até a viajem parecia uma alegre cerimônia, nenhum problema no caminho, a estrada estava incrivelmente fluindo. No caminho Zé ainda comprou um barco de isopor azul, pequeno, mas grande o suficiente para carregar o prato para bem longe das ondas. Já imaginava seu barco navegando além das ondas e entregando pessoalmente prato todo especial. A Rainha ia gostar, isso era certo.

O dia estava ensolarado e o mar estava um pouco agitado, um festival de ondas se sucedia e vinha lamber os pés dos filhos na praia. Parecia que Iemanjá queria receber logo os presentes. Na areia, eram inúmeros os ofertantes, uma imensa legião de pessoas de todas as cores vestindo branco espalhavam-se pela orla, alguns até de turbantes enfeitando a cabeça, todos felizes com seus pratos, barcos, sabonetes, espelhos, flores e outros apetrechos de oferendas nas mãos. Zé olhou ao redor e percebeu que seu ebó yá era o único. Sorriu. A Rainha ia gostar.

Adiantou-se entre os demais ofertantes o mais longe que pode da areia e colocou seu barco onde as ondas ainda iniciavam pequenas. Mas por alguma razão estranha seu barco não flutuava, logo que era colocado sobre a água ele afundava. Zé, vendo que as oferendas dos demais iam longe e os parentes na praia batiam palmas ao ver tal espetáculo, tentou por diversas vezes fazer com que seu prato flutuasse ao menos um pouco, para que a Rainha pudesse apreciar melhor a iguaria tão delicadamente preparada. Nada adiantou. O barco não navegava meio metro sequer. Ainda que Zé fosse o mais distante possível da praia, já molhado até a cabeça. Não houve jeito. O barco afundava imediatamente. E assim o barco foi tragado tão logo ele o soltou. E, por incrível que pareça, nem os restos de isopor foram vistos sobre a água.

Zé voltou para casa decepcionado, tanta dedicação e a Rainha Mãe não aceitara seu prato. Pensou no trabalho que dera consegui os camarões, na dificuldade em arrumar aquelas folhas de mamonas que não tinham em lugar nenhum da cidade, no carinho que preparara o prato à noite e finalmente na oração com o coração cheio de alegria ao final. Como ela pode não ter recebido a oferenda? Deveria ter oferecido flores, pensou. No caminho de volta o silencio no carro era absoluto. Nem as crianças manifestaram suas costumeiras brincadeiras entre eles e preferiram dormir.

No dia seguinte Zé foi conversar com seu Gerônimo, um velho benzedor conhecido do bairro. -Pois é Se Gê, tanto trabalho para nada. Sem querer desmerecer, mas quando vi todos aqueles pratos bem mais simples que o meu navegar pra bem longe e as pessoas todas alegres batendo palmas enquanto o meu afundava igual pedra, o senhor não imagina minha tristeza. O eu fiz de errado?

-É mesmo, meu filho? He, he, he, he. O velho ria gostosamente da inocência do amigo. -Pelo jeito você não conhece mesmo a mãe que tem, né. Pois quem disse que ela não aceitou seu ebó yá? Saiba você que nenhuma oferenda a Iemanjá não é aceita até que afunde. Ela deve te gostado muito do seu prato, né meu filho. He, he, he, he.

O coração inocente do Zé imediatamente encheu-se de alegria. A Rainha Mãe gostou, com certeza.

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quinta-feira, 7 de junho de 2012

MANDINGA DE AMOR


MANDINGA DE AMOR


Nas últimas semanas tinha sido assim, João se trancava no quarto por horas ao telefone, falando com Claudia que morava do outro lado da cidade. Quando não era a conversa por telefone era o bate-papo pela internet, ou mensagens no celular. Nem almoçava direito.  Dona Estela já não aguentava mais aquilo, aquele melê todo, aquele nhém- nhém- nhém, aquele Claudinha pra cá, Claudinha pra lá. Tudo tinha limite, até o amor tem limites.

Aquilo era macumba da menina, só podia ser. A mãe tinha certeza. Há poucas semanas João nem ligava pra essas coisas, queria mesmo era ficar estudando pro vestibular no fim do ano que se aproximava. Ele dizia que não tinha tempo pra perder com essas coisas de namoradinha, só ficava de vez em quando. Já tinha até escolhido a área, medicina. Agora não tinha remédio, tinha até emagrecido.

-Joãozinho, sai desse quarto um pouco, meu filho, abre a janela, tá um sol bonito lá fora. Você está tão pálido, e esses olhos fundos? O que essa menina tem que você não para de falar come ela? Onde ela mora? Qual a religião dela?

Dona Estela foi procurar a Mãe Dara de Oxum, tentar desfazer aquele feitiço de qualquer forma. Faria o que fosse preciso para isso. Mãe Dara era sua comadre, saberia o que fazer, era ela quem ajudava sempre nestes momentos, haveria de lhe valer agora também.

-Pois é, Dara, o Joãozinho não quer saber de nada, só quer ficar no computador falando com aquela lá e não estuda mais, não come, não sai daquele bendito quarto, nem dorme direito. Agora fica falando tudo no diminutivo com ela no telefone e vive no mundinho da lua com cara de bobo. Vai ter gira sexta? Vai ser de Caboclo, de Preto Velho ou de quê? Preciso falar com a Pombagira, acho que só ela pode me ajudar.

Mãe Dara já estava acostumada àquele tipo de interrogatório da comadre. Estela amava muito o filho, era super-protetora, qualquer anormalidade, por mínima que fosse com o Joãozinho, ela vinha lhe procurar. –Sossega seu coração, mulher. E quem foi que disse que isso foi mandinga? Deixa estar que o amor também tem seus próprios feitiços.

-Mas eu sei que foi, Dara. Ele é só um menino ainda, não sabe direito o que está fazendo. Até um dias desses ele nem queria saber de perder tempo de estudo com namorada, agora ele só fala nela, só pensa nela, só vive pra ela; nem meu colo ele quer mais. Isso não é normal, eu conheço meu filho, eu criei ele na aba da minha saia, sei o que estou falando. É coisa de mãe, eu sinto.

Comadre, a senhora já se apaixonou alguma vez? A senhora já gostou de alguém de verdade? Já amou com amor de mulher alguém na sua vida? Já entregou seu coração sem medida a alguém sem saber por que estava fazendo aquilo, simplesmente amava e não tinha explicação? Pois é, comadre, eu posso lhe receber aqui na gira na sexta-feira, a Mulanbo, a Padilha, a Sete Saias ou a Navalha podem lhe receber sim, mas estou até vendo elas rirem debochadamente da senhora no meio da consulta. Comadre, aprenda uma coisa, não existe magia, feitiço ou mandinga mais forte que o amor, e isso não tem nada a ver com idade. Ele tem seus próprios caminhos, não obedece a pessoas ou espíritos. Em toda essa minha vida na umbanda jamais vi uma entidade dizer a alguém que vai fazer outra pessoa se apaixonar por ela. O amor é pura confusão, a senhora sabe disso, ele chega, bagunça o coração e a razão. Por isso nem guias, nem orixás, nem espíritos atrasados ou evoluídos têm poder sobre ele. A senhora não lembra quando gostou do Antônio aquela vez? Como a senhora ficou? Toda boba atrás dele. Mesmo ele sumindo por dias, mesmo ele sendo um cafajeste. Mesmo nós todas dizendo que aquilo era loucura a senhora não ouvia ninguém. Lembra?

Dona Estela baixou a cabeça. Dara a conhecia muito bem, falar no Antônio foi golpe baixo. Na verdade ele nunca saíra completamente de seu coração, e agora voltava com todo seu cheiro e seu sorriso. A lembrança do beijo e de todos os bons momentos ao lado dele apagava qualquer coisa ruim que ele lhe causara. A pergunta da comadre despertou em si um amor adormecido há muito tempo, abriu uma ferida já cicatrizada. Seus olhos pareciam perdidos no ar, olhando para dentro de si mesma. Depois de algum tempo calada, Dona Estela só conseguiu fazer um último pedido.

-Comadre, será que a senhora não faz algum trabalho pra trazer o Antônio não?

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A FLECHA DE OXÓSSI


UM LUTADOR

Seu Antônio ajoelhou-se perante o altar, as imagens dos orixás pareciam mudas naquele dia, estáticas. Seu coração apertado de solidão e angústia não via sentido naquele ato que tantas vezes repetira desde que montara o altar. Mas agora era bem diferente de todas as outras vezes, o axé parecia que tinha sumido dali, seus orixás deviam estar distantes, talvez até abandonado o altar para acudir, quem sabe, um outro filho mais necessitado e mas digno . Ele sabia que havia errado, sim, e por isso sua vida nos últimos tempos se tornou aquele inferno. Joana Maria, a vidente, lhe dissera que a lua na casa dois de seu signo indicava um inferno astral, e que o melhor a fazer era esperar aquela fase passar e depois tudo se resolveria naturalmente. Porém a tal fase estava demorando a passar, nada parecia fazer sentido. A mulher que tanto amava indo embora com as crianças, o chefe no trabalho exigindo maior produção quando ele já dava tudo de si, e ainda por cima as contas se acumulando com os boletos de prestações no fundo da gaveta. Mas o pior mesmo nem era tudo isso, o mais ruim era esse sentimento de angústia e solidão apertando se coração. Parecia que alguém fizera mandinga pra ele, ele tinha quase certeza disso, e por isso estava com medo; medo de tudo, até de sair na rua. Os problemas foram aparecendo assim, devagarinho, entrando como um visitante que não quer nada, foi se instalando e devagarinho trazendo outros problemas consigo, e quando percebeu eles já haviam tomado conta da casa e mandado a alegria embora. Todos lhes viraram as costas, os parentes, os amigos e até os orixás, agora imóveis no altar,  também abandonaram suas imagens e partiram para outras tarefas mais importantes.

Mesmo assim seu Antônio ajoelhou-se, começou sua reza pela Ave Maria, o coração apertado e vazio de alegria não o deixou terminar, não havia ânimo nem para terminar o sinal da cruz. Resignou-se a permanecer ajoelhado perante o altar por um tempo. Levantou-se e ficou a olhar as imagens no oratório no canto da parede, especialmente construído num momento de muita fé e esperança. Perguntava-se em pensamento, onde estarão agora? Por que não ajudam um filho necessitado? Olhou fixamente para a primeira imagem, a de Iemanjá com seu manto azul, nada. Depois para a segunda, de Oxalá, todo de branco, nada. E assim seguiu a terceira, Iansã e sua espada sempre em punho, também nada. No meio do altar encontrou Oxóssi, o orixá das matas com seu arco sempre esticado e a flecha sempre pronta para disparar. Seu Antônio chegou mais perto para ver os detalhes da imagem, reparou que ele tinha uma espécie de capacete de carcaça de águia, chegou mais perto, quase encostando a cabeça na imagem. Foi aí que aconteceu. A flecha de Oxóssi disparou e acertou a testa de seu Antônio, entre os dois olhos, um pouco acima deles. O Velho se afastou apenas um pouco para trás, a seta entrou direto, e permanecia lá.

Seu Antônio olhou de novo a imagem de Iansã ao lado, agora ele ouvia a rainha dos ventos, ela lhe dizia com voz de guerreira: Lute! Lute com todas as suas forças, eu estou aqui par lhe ajudar, conte com minha espada, mas lute!

O velho voltou novamente os olhos para Oxóssi, o chefe dos caboclos lhe dizia serenamente. -Lute com inteligência, saiba quem é seu verdadeiro inimigo, meu arco está a seu serviço.

O velho olhou para Ogum, do lado direito de Oxóssi, o guerreiro do ferro lhe disse em tom de ordem. –Lute com coragem! Vença seu medo, seu medo é seu único inimigo. Minha armadura esta à sua disposição.

Oxum, no canto direito do altar, lhe disse suavemente. –Olhe-se no espelho antes de lutar. Veja quem é seu inimigo, se o medo está em você, a luta também é contra você mesmo. Vença você mesmo. A força de minhas cachoeiras então aqui para lhe ajudar nessa luta.

Iemanjá, com sua cálida voz de sereia, lhe disse. –Nessa luta, as forças de minhas águas estão aqui para lhe limpar e lhe dar coragem, guerreiro. Mergulhe profundamente nessa energia, sinta essa força em você.

Com o coração já dando sinais de alegria novamente, olhou pra Oxalá, que, em tom benevolente de grande pai que é, disse. Quando um guerreiro se propõe alutar, em seu coração ele já venceu o inimigo. Meu escudo está aqui para lhe proteger, não há o que temer.

Seu Antônio ajoelhou-se novamente, com a testa encostada no chão, agradeceu em prantos as orientações dos grandes orixás. Levantou-se ainda banhado pelas lágrimas, mas com o coração aliviado e cheio de esperanças, parecia que os incômodos visitantes tinham desaparecidos para sempre dali e a alegria voltado à sua casa.

Antes de se sair, olhou ainda para a imagem de Pai Tomé, separada dos orixás num degrau mais abaixo do altar. Perguntou a este em pensamento: E o senhor, não vai me dizer nada? O velho, sentado em sua pedra e com seu cachimbinho na mão, apontando para o alto, na maior das tranquilidades, apenas lhe disse. – Confia neles, tenha fé.

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

segunda-feira, 28 de maio de 2012

UMA BATALHA DE XANGÔ


O REI DE OYÓ


Xangô, era rei de Oyó, governava sua cidade com prudência e justiça, e tudo corria bem em seu reino quando recebeu a notícia de que outro povo muito forte e numeroso atacaria sua cidade. O rei da cidade inimiga queria se apossar das terras de Oyó e fazer seus guerreiros escravos.

Xangô já havia passado por isso muitas outras vezes e nunca havia desistido, recuado ou se entregado a qualquer inimigo, por mais poderoso que fosse. Porém dessa vez era diferente, analisou a situação e viu que estava em larga desvantagem, todo seu povo junto era menos numeroso que o povo inimigo, e ainda metade dos guerreiros haviam partido para outro reino, onde participariam de uma confraternização aos deuses pela boa colheita da região. Imediatamente enviou um mensageiro para chamar os guerreiros de volta. Tentou ganhar tempo om o rei da tribo inimiga e propôs um acordo.

-Podemos chegar a um acordo, eu posso ceder uma parte do meu território a vocês, não precisamos guerrear entre nós.

-Nada disso, sabemos que sua tribo não dispõe de metade dos seus guerreiros e queremos todo seu território, se se renderem, posso poupar suas mulheres e crianças, levaremos os soldados como escravos, precisamos de braços fortes para construir nosso império. O rei inimigo falava isso enquanto ria com vontade, divertindo-se à custa da situação.

Xangô consultou o povo e seus soldados, disseram que não aceitariam ser escravos de ninguém, sendo assim preferiam morrer a ter que se submeter à escravidão. Xangô ponderou que eles poderiam partir com o exército inimigo e quando o resto de seu exército regressasse, eles iriam libertá-los. Os soldados disseram não confiar naquele rei que já havia demonstrado sua crueldade em outras guerras. Não havia alternativas, a não ser lutar.

A batalha foi ferrenha, com o sentimento de que não havia mais nada a perder, pois se vivessem seriam escravos, os guerreiros de Oyó lutaram como nunca lutaram antes. As mulheres do reino também entraram na batalha para defenderem a liberdade de seus maridos. Até as crianças do reino, vendo seus pais lutando com tanta fúria, entraram na batalha ao final do primeiro dia.

Porém a tribo inimiga era muito mais forte em força e número que a de Oyó. A guerra estava sendo perdida. Xangô, vendo seu povo cair um a um, seus soldados, suas mulheres e suas crianças morrendo, resolveu se retirar do campo de batalha. Refugiou-se nos montes próximo da cidade. O povo inimigo comemorou a vitória e adentrou a cidade no dia seguinte. Comeram, beberam, festejaram e saquearam a cidade, colocaram fogo em casas e templos e se preparavam para subir as montanhas para capturar o resto dos soldados já enfraquecidos.

Enquanto isso Xangô falava ao povo. -Não podemos baixar nosso moral, perdemos uma parte da batalha, mas ainda não perdemos a guerra. Se soldados nossos caíram no campo de batalha, soldados deles também caíram. Se continuássemos o combate naquela situação, em número inferior, seríamos dizimados. Foi preciso recuar para que eles pensassem que venceram e se distraíssem com o saque da cidade. Neste momento nossa legião de soldados caminha em nossa direção. Vamos aguardar os inimigos aqui e rezar a Oxalá para que nossos filhos cheguem a tempo.

Na manhã do terceiro dia a batalha teve início novamente. Mas no momento de iniciar o combate chegaram o restante dos filhos de Oyó, agora acompanhados por soldados das cidades vizinhas. Ao todo este exército formava um número três vezes maior que o da tribo inimiga. Os soldados, as mulheres e as crianças que haviam lutado na batalha anterior nem precisaram combater novamente. A tribo inimiga foi exterminada ao pé da montanha que protegia o reino de Oyó.

Depois dessa guerra Xangô ganhou ainda mais o respeito de seu povo e dos reis das cidades vizinhas. Apesar de uma situação tão adversa, não deixou de lutar por sua vida e liberdade, e ao sentir uma guerra perdida, não deixou de recuar no momento necessário para recompor suas forças.


Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

sexta-feira, 4 de maio de 2012

UMA MÃE DESESPERADA


DESESPERO NO MORRO

                Uma mulher desesperada procurou o centro aonde ia de vez em quando para suplicar ajuda em favor de seu filho que havia se envolvido com os traficantes do morro e agora corria perigo de ser morto. Já fazia um dia que ele não aparecia em casa e os boatos não eram nada animadores. A mulher já não tinha mais para quem pedir ajuda, os vizinhos já não aguentavam nem ouvir falar no garoto, sempre ajudavam a mãe e ele voltava a aprontar.

No caminho para o centro ela ia pensando qual seria o melhor orixá para ajudar seu filho. Logo pensou em Exu, o grande orixá protetor de todo terreiro e seus soldados que sempre assumem a linha de frente numa guerra. Depois pensou em Ogum, o guerreiro vencedor de demandas que adora uma batalha por uma causa justa. Depois veio Oxóssi, o caboclo de Oxalá, ou Xangô, o orixá da justiça. Assim, nesse pensar e se enchendo de fé esperança, a mulher foi caminhando em direção ao templo.

Naquela tarde a casa estava cheia, sua senha para ser atendida era uma das últimas. Enquanto esperava na assistência a sua vez, a mulher, cansada de noites sem dormir de preocupação pelo filho, entrou num sono profundo. Em seu sono ela conversou com os quatro Orixás que poderiam salvar seu filho.

Exu disse à mulher que o moleque não era flor que se cheirasse, ele havia procurado os problemas com suas próprias mãos, e que ele, Exu, respeitava acima de tudo a Lei Maior, a lei da causa e consequência, a lei que diz que para cada ação corresponde uma reação, então o moleque tinha que pagar por seus feitos.

Xangô disse à mulher que ele não gostava de injustiças e que o filho dela devia aos traficantes, por isso ele deveria pagar a dívida, e se os traficantes continuassem a incomodá-lo ela poderia procurá-lo.

Ogum respondeu à mulher que o filho se entregara àquela situação, assim, ele só poderia intervir se o filho o procurasse e tivesse disposto a lutar também. Ele, guerreiro da luz que é, só luta por quem faz por merecer.

Oxóssi respondeu que o guri era um ingrato, já havia o ajudado várias vezes e ele nunca havia voltado ali para agradecer, então era hora de ele pagar pelos seus feitos, para tudo na vida existe um limite.

A mulher desesperada acordou e ficou mais desesperada ainda. Em sua tristeza limitou-se a rezar em silêncio uma oração simples. Senhor Oxalá, tem misericórdia de sua filha, o menino é meu filho, não importa o quanto ele tenha errado, eu o amo. Levantou-se e, sem ânimo de ao menos passar pelos médiuns, entregou sua senha e foi para casa desanimada. A angústia havia tomado conta da pobre mulher, o caminho de volta para casa parecia mais triste que a ida ao centro. Parou várias vezes para chorar e quase chegou a desmaiar de fraqueza.

Chegando em casa, para sua surpresa seu filho a aguardava sossegadamente no sofá em frente à televisão. Ela o abraçou em prantos e perguntou o que houve, porque ele estava ali e tão sossegado.

Mãe, eu não sei o que aconteceu, só sei que os caras me pegaram e me levaram pra um beco, eu sabia que ia morrer porque aquele beco é onde ele acertam as contas com os devedores. Bem, eu já tinha dado minha vida por perdida e nessa hora pensava na senhora e porque eu não a ouvi antes e abandonei de vez essa vida. Ajoelhei como eles mandaram e esperei o pior. Ouvi um tiro, e em seguida vários outros na sequência. Abri os olhos e vi uns caras caídos no chão e os que não estavam caídos corriam para todas as direções. Eu também corri, nem sei pra onde. No corre-corre, pega-que-pega vim parar aqui à tarde. Depois fiquei sabendo pela tevê que a polícia tinha invadido o morro, matado os líderes da gangue, prendido o resto do bando e ocupado de vez o morro. Então acabou, mãe, não tem mais nada que se preocupar. Estou livre. Vou tentar me arrumar na vida de agora pra frente.

Na gira seguinte, a mãe, mesmo sem entender nada, foi agradecer o milagre, agora na companhia do filho. Ao ajoelhar ao pé do altar de Oxalá, teve uma visão esclarecedora. Uma onda de energia arrebatadora irradiou sobre ela e três mulheres se apresentaram à sua frente. Quem são as senhoras?

Eu sou Oxum, vim te ajudar porque és minha filha, sou sua protetora, além disso, sou mãe como você e sei do seu amor por seu filho.

Eu sou Iansã, vim te ajudar porque não gosto de ver o forte subjugar o fraco tão covardemente, além disso, sou mãe como você e não suporto ver um filho meu correndo perigo sem fazer nada.

Eu sou iemanjá, eu vim em teu socorro porque sua oração foi sincera, além disso, sou mãe como você e não consigo ver um filho tão amado pela mãe sofrendo sem fazer nada.

A mulher agradeceu mais uma vez às três mães e saiu do centro às pressas; algum tempo depois ela voltou, trazia em suas mãos três flores singelas, que as depositou uma no altar de Oxum, outra no altar de Iansã e outra no altar de Iemanjá.



Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O CABOCLO DOS ORIXÁS


SETE FLECHAS

Uma doce e suave canção tirada de uma flauta de bambu anunciava a chegada do barco enfeitado de flores e seu arranjo fúnebre, calmamente o barco deslizava sobre o tranquilo rio Juti. Um som seco e lento de um tambor solitário veio juntar sua tristeza à da canção da flauta, era a cerimónia de enterro do maior e mais valente guerreiro das tribos kaiwri. A guerra entre as tribos dessa região, em um acordo único, parou por sete dias para esta cerimônia. Guerreiros, caciques e pajés vieram de todos os cantos conhecidos para o ato solene. Perfilados logo após a margem direita do rio, mulheres da tribo Gapó choravam copiosamente a partida para o reino de Tupã do bravo que as defendia com sua própria vida. Até os índios mais valentes não seguravam a emoção e deixavam as lágrimas caírem livremente pela face, arrancando a tristeza do peito. Enquanto em vida, o guerreiro, era exímio atirador de flechas, lutava bravamente pelos seus e tinha o coração bondoso com todos, inclusive com os inimigos. Nunca houve um caçador mais habilidoso, um amigo mais leal, um guerreiro mais combativo e ao mesmo tempo mais doce e mais brando que ele, era o que todos diziam em uníssono. Por isso, também vieram para a cerimônia, além de outros representantes das forças universais, Ogum, o guerreiro de ferro; Xangô, o orixá da justiça; Iansã, a rainha guerreira; Iemanjá, a Grande Mãe das águas marinhas; Oxum, a deusa dos rios e cachoeiras, Obaluaê, o orixá da evolução, até Oxóssi, o senhor das falanges a qual pertencia o índio guerreiro, veio pessoalmente também prestar sua homenagem. Além desses orixás africanos que adotaram as terras brasileiras e outros representantes das forças universais, Shiva, o deus do oriente que exalava seu perfume de bálsamo oriental e Miguel, o arcanjo das falanges celestiais, também estavam presentes. Todos em silêncio, perfilados à margem esquerda do rio.

Enquanto o cortejo passava tranquilamente carregado pelas águas do rio, os pajés com seus cachimbos e maracás entoavam mantras sagrados, cada um em sua própria língua, e requeriam dos guias espirituais ajuda para a entrada do guerreiro no reino de Tupã.

Uma última batida de tambor cessou todo o som no local e um índio abatidíssimo de tristeza, amigo de Sete Flechas em vida, destacou-se do meio do pelotão de guerreiros e esticou seu arco, enquanto o cacique da tribo acendia com uma tocha a ponta da flecha, o índio apontou para o barco florido e atirou sua seta flamejante. A flecha cortou o vento em assobio sibilante e descreveu uma parábola no ar, acertando o canto do barco. Logo as chamas se espalharam e uma forte comoção tomou conta de todos os presentes - deuses e mortais. O encontro da emoção de Shiva, o deus perfumado do oriente, com a comoção dos orixás africanos provocou um frenesi no ambiente e uma histeria coletiva começou a tomar conta dos corações e bocas dos mortais. Enquanto a o fogo se espalhava pelo corpo do valente no barco, a fumaça ganhava contornos diversos que se elevavam aos céus em espirais. Choros copiosos, mantras sagrados, sons de maracás, gritos de guerra, batidas no peito, tambores retumbantes, flautas histéricas e vozes em línguas diversas formavam uma corrente de energia que sua vibração podia ser ouvida, sentida e vista a olho nu por qualquer mortal. Até os animais da floresta, do rio e do ar pararam neste instante em profundo sinal de respeito.

Por fim, num tufão de chamas e fumaça esbranquiçada, Sete Flechas levantou-se de seu esquife, e olhando para a margem esquerda, onde estavam os deuses, fez seu sinal de agradecimento e, espalhando-se por cima dos índios lamentosos do lado direito do rio, ganhou rapidamente os céus em direção ao reino de Tupã.

Logo uma reunião entre os deuses ali presentes se formou, confabularam entre si algumas questões e depois permaneceram em silêncio novamente. Pouco depois o índio que acendera aos céus retornava, agora com seu ofá carregado de flechas às costas, seu arco na mão e um cocar feito coroa colorida a cobrir-lhe a cabeça, parecia mais alto e mais forte que antes.

Ajoelhou-se ante os seres celestiais em sinal de aceitação de sua missão. Oxóssi se aproximou e colocou uma flecha em seu braço direito, era seu presente ao filho valente, era o poder de curar os enfermos transferido a ele. Em seguida Ogum também se aproximou e colocou em seu braço esquerdo outra flecha, era o poder de defender os filhos na terra de todas as maldades. Xangô também lhe deu seu presente, uma flecha que cruzou em seu peito para que ele defendesse a humanidade de toda injustiça; e assim seguiu Iansã, que cruzou outra flecha em suas costas para que ele defenda seus filhos de qualquer traição; Oxum, que colocou uma flecha em sua perna esquerda para que ele possa lavar os caminhos do homem e os defender de todas as forças contrárias à vontade divina; Iemanjá com uma flecha em sua perna direita para que ele possa abrir os caminhos materiais e espirituais de tantos filhos por ela amados; e por fim Obaluaê, que colocou em suas mãos sua flecha sagrada para que ele distribuísse à humanidade a divina força da fé e da verdade. Shiva, por sua vez, encantou o índio com seu maravilhoso perfume das terras do oriente.

Renovado e abençoado pelos deuses, o guerreiro em novo corpo agradeceu os presentes, levantou-se, e, virando-se em direção aos seus do outro lado do Juti, soltou um forte brado de guerra.  As tribos da outra margem do rio fizeram grande alarido de alegria com gritos, flautas, tambores e maracás, e o que era pranto se tornou uma grande festa entre deuses e índios. A comemoração seguiu pela noite afora e a alegria pela mata adentro, e a partir desse dia as guerras entre as tribos daquela região cessaram para sempre, pois o índio, agora elevado à condição de protetor dos filhós de Oxalá e Tupã, era parte de todas as tribos e os tornou uma só família.

(Ao meu Pai Cristiano de Oxosse)

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

domingo, 15 de abril de 2012

SALVE OGUM, JORGE E POVO BRASILEIRO


OS ENVIADOS

Numa época distante, perdida no tempo em que os homens defendiam sua honra e suas vidas com a espada, vivia um povo simples, pessoas de bem que não conhecia a guerra, até aquele momento, pois este povo corria o perigo iminente de ser eliminado por uma violenta tribo invasora que destruía a tudo e a todos em seu caminho.

Este povo simples não possuía armas, mas tinha fé, e assim orava aos céus para que fosse enviado um livramento.

Às vésperas da invasão, um valente cavaleiro das terras do norte vinha montado num cavalo branco; trazia em seu corpo uma lustrosa armadura, um escudo em sua mão esquerda, uma espada em sua cintura e nas costas uma longa capa vermelha. Do outro lado vinha um grande e valente guerreiro negro a pé, também de armadura, escudo em punho, uma espada na mão. Próximo do povoado os dois se encontraram. O guerreiro a pé gritou logo.

-Auto lá, estranho! Se for de bem, se apresente; se não for que se curve.

-Só me curvo ou ao meu Mestre e Senhor! Mas se quer saber eu sou Jorge, nascido da Capadócia, da ordem de São Miguel, enviado de Jesus Cristo para lutar por este povo. E vós, quem sois?

-Eu sou Ogum, vindo das terras de Ifé, rei de Irê, das tribos yorubás, da ordem dos Orixás e enviado de Oxalá para lutar por este povo que não conhece a guerra.

-Então baixemos nossas espadas, amigo, temos o mesmo objetivo e o mesmo inimigo em comum, e como eles são numerosos, podemos lutar juntos.

Aquela noite os dois guerreiros aproveitaram que a tribo inimiga não esperava um ataque - pois sabia que o povoado a sua frente era de paz - e fizeram um ataque de frente. Ogum, o guerreiro de Oxalá, empregava todas as suas forças no combate e sua espada não descansava um momento sequer. Jorge, o cavaleiro do norte, montado em seu cavalo distribuía golpes à esquerda e à direita, seu escudo não teve serventia nesse confronto, pois seu espírito guerreiro combatia abertamente por uma causa justa e um povo de paz.

Na manhã seguinte, após a vitória, os dois guerreiros conversaram.

-Cavaleiro, lutaste como um verdadeiro e digno guerreiro, sempre que precisar, pode me chamar, terei a imensa honra de combater qualquer batalha ao seu lado.

-Eu digo o mesmo, guerreiro negro, e aqui firmo nosso acordo selado pelo sangue da batalha, onde um estiver lutando o outro lá estará, a partir de agora somos irmãos.

Como após a guerra, os dois guerreiros não adentraram o povoado, os pacifistas ficaram sem saber o que realmente aconteceu, apenas contaram e enterraram os corpos no acampamento inimigo e agradeceram aos céus pelo livramento. Os inimigos que sobraram fugiram, espalhando a notícia pelos arredores que aquele povoado não conhecia a guerra porque era protegido por dois enviados dos deuses, e pelo modo que combatiam esses dois valentes também eram deuses, deuses da guerra.

A fama desse combate atravessou os tempos e espalhou-se com o vento pelos quatro cantos do mundo, de boca em boca, de povo em povo, de geração em geração. A valentia dos dois combatentes do bem inspirou fracos e fortes, homens e mulheres, povos, exércitos e reinos. Uns dizem que na verdade não eram dois, era um guerreiro só, mas como lutava com tamanha valentia, pareciam dois; uns dizem que o povoado fica a oeste do Atlântico, ao sul, numa terra ensolarada e banhada pelo mar, e que o povo é alegre, festeiro e tem uma fé inabalável. Dizem também que até hoje os dois guerreiros que, se amalgamaram no coração desse povo, ainda os protegem e lutam por eles.


Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O CRENTE E O MACUMBEIRO


 O CRENTE E O UMBANDISTA

Um crente entrou num ônibus do subúrbio e foi se sentar ao lado de um umbandista. Muito educadamente o crente cumprimentou o outro – Bom dia! O umbandista, também educadamente, respondeu ao cumprimento e os dois começaram uma boa conversa sobre amenidades. Falaram da qualidade do transporte público, da educação, do clima, da política e até de futebol. Os dois concordaram praticamente em tudo e riram de algumas situações. E assim a conversa seguia animada, até o assunto ir parar na religião e um declarar para o outro sua fé.

-Sinto muito senhor, mas está enganado, Deus não se agrada dessas coisas, o senhor está no caminho errado, isso é macumba!

-Eu é que sinto muito, o senhor é que não conhece Deus direito e nem a minha religião.

-Na minha igreja Deu se manifesta com milagres e maravilhas, é só ir lá pra ver. O senhor tem que aceitar Jesus enquanto é tempo.

-No meu centro Deus também se manifesta, lá tem curas, revelações e milagres também.

-A palavra de Deus diz que não devemos adorar imagens.

-A palavra de Deus não é só a bíblia, e ela também diz que o principal é o amor, vocês, evangélicos distorcem muito ela.

-O sangue de Jesus tem poder!

-Saravá, que meu Pai é maior!

A discussão seguiu nesse tom de agressividade crescente com acusações mútuas. Um dizendo que a religião do outro era coisa do demônio e o outro dizendo que a religião do um é que tinha se afastado de Deus. Enquanto isso o restante dos passageiros, escandalizados, presenciavam o belo espetáculo proporcionado pelos dois, que quase se pegavam aos tapas.

Na mesma noite os dois foram para seus templos orarem. Enquanto o crente na igreja pedia fervorosamente a Jesus que libertasse aquela alma da perdição, o umbandista, no centro, intercedia com sincera devoção a Oxalá para que tirasse aquele irmão das trevas da ignorância.



Zeca d’Oxóssi da Aldeia tupinambá

segunda-feira, 2 de abril de 2012

OXALÁ, UMA LIÇÃO DE HULMILDADE


A FILHA DE OXALÁ

Jacira abriu os olhos lentamente e foi se esticando toda na cama preguiçosa que insistia em segurá-la mais um pouco naquela manhã de sábado. Esse pouco já passara de duas horas do horário habitual de acordar. Na verdade Jacira sabia que o desânimo era sua depressão dando as caras pela primeira vez no ano. E ela sempre vinha pelo ao menos uma vez no ano, ela vinha, com toda certeza. Ela sabia também que a depressão começava a se instalar por causa da angústia sentida pelos últimos acontecimentos: recém-desempregada, a mãe muito mal no hospital, o marido bebendo e o filho andando com más companhias. Tudo isso junto era demais até para quem não sofria de depressão.

Mas hoje ela iria resolver essa situação, há semanas que não se consultava no terreiro do Pai Cipriano com ninguém. Das últimas vezes que passara com as entidades, os passes e banhos não pareciam surtir efeito, não o efeito que ela queria. Como boa filha de Iemanjá que era, sempre apelava primeiro à Grande Mãe nas aflições, depois a outros, conforme fosse o caso. Se a coisa fosse com a justiça, apelava para Xangô das pedreiras; se fosse caso de saúde, aí era com Oxóssi e seus caboclos; se a coisa fosse alguma contenda mais forte com alguém, o caso era com Ogum guerreiro; os negócios do coração eram com Oxum. Nesse caso Jacira cismou que não ia procurar nenhum Orixá nem entidade abaixo de Oxalá. A mulher queria porque queria não somente a ajuda do criador da Terra como também queria falar com ele pessoalmente, apesar de todos dizerem pra ela que isso era um absurdo, pois Oxalá não dá consulta. E nesse querer ela passou o mês sem se consultar com ninguém no terreiro do pai Cipriano. Sempre ia, mas ficava lá no canto, rezando e esperando o mestre maior aparecer em algum médium e chamá-la para a consulta. E nessa espera passou o mês na agonia e sua angústia aumentando.

Mas hoje isso ia mudar, ela tinha certeza disso, custasse o que custasse, ela ia falar com ele. Não levou oferenda nesse dia, foi resoluta que iria ser atendida pelo divino Orixá. A gira começou como sempre, humildemente o Pai iniciou os trabalhos com a prece de cáritas e os demais cânticos umbandísticos. Seguiu-se a defumação, a oração e o bate-cabeças. Os caboclos de Oxóssi foram os primeiros a descer, depois as entidades de Iansã, as de Oxum e os da Grande Mãe. A energia podia até ser vista no ar, mas nada de Oxalá aparecer. Por último o Pai chamou os pretos-velhos. Jacira se resignou no seu canto, não tinha jeito. Um dos pretos velhos incorporado num jovem médium da casa, que nem cambono tinha, chamou a triste mulher para falar com ela. Jacira achou que não tinha nada a perder e foi ouvir o que o velho tinha a dizer.

-Minha filha, o que se passa com essa sua cabeça? Não sabe que os filhos de Oxalá não podem ficar tristes?

-Sim, meu pai. Sei sim, mas só Oxalá pode me ajudar, eu tenho uma dor na alma que se apodera de mim de tempos em tempos.

-E porque você não pede pra ele tirar isso de você de uma vez?

-Eu quero pedir isso pra ele pessoalmente meu pai.

-E por que não pediu ainda? Ele está sempre ao seu lado, minha filha.

                -É que eu quero vê-lo, quero senti-lo, olhar em seus olhos, sei que quando eu olhar em seus olhos eu vou ser curada de toda dor e angústia.

-Minha filha, quantas vezes eu te recomendei um banho e fizeste sem fé? Quantas vezes eu te falei olhando nos olhos e não me reconheceste? Quantas vezes eu estive aqui e te aguardei para falar com você e não me deste atenção?

-Como assim, meu pai? Não estou entendendo, eu quero falar é com Oxalá...

-Pois está falando com ele, filha.

-O quê?! O senhor é Oxalá? Como pode? Me disseram que era um preto-velho que havia me chamado.

-Filha, eu posso tomar a forma que eu quiser para ajudar meus filhos na terra. Não só eu, várias dessas entidades que você vê aqui não foram exatamente negros que sofreram nas senzalas pelo Brasil, mas tomaram essa forma humilde para ajudar vocês.

Jacira ajoelhou e começou a chorar aos pés do velho.

-Pai, perdoa a minha ignorância, eu realmente não sabia dos teus mistérios.

-Isso não é mistério, minha filha, qualquer um que estudou um pouquinho dos livros da umbanda sabe disso. Esses livros também foram iluminados e são um meio de eu falar com vocês.

-Sim, meu pai. Sim, obrigado pelo ensinamento. Quero te pedir uma coisa ainda, permita que eu veja sua beleza, só assim encontrarei descanso e alívio para minha alma.

-Me dê a sua mão, filha. Vem comigo. Jacira ficou de pé e fechou os olhos, estendeu as mãos, e ao tocar as mãos do velho seu corpo ficou paralisado.

-Filha, pode abrir os olhos. Eu estou aqui à sua frente.

-Senhor, não és muito diferente da imagem de qualquer preto-velho que vemos lá na Terra. Achei que fosse forte e vigoroso, já que és o maior dos orixás.

-Não minha filha, não sou maior que ninguém, sou apenas mais um enviado de Olorum.

-Mas na Terra aprendemos que o senhor é o orixá maior.

-Isso depende de quem diz.

-Como assim?

-Se você perguntar para qualquer um dos orixás, ele irá dizer isso, se perguntar para mim, eu não direi isso.

-Sim, pai. Que lugar lindo! Que energia gostosa e sensação maravilhosa. Onde estou?

-Na minha casa, no Orum.

-Nossa, mas tão rápido. O Orum não é em outro plano, num lugar bem distante?

-Não filha, o Orum não é um lugar, ele está em todo lugar, basta pensar com o coração e ter fé.

-Pai, percebo que seus olhos se parecem brilahantes pedras de cristais e sua pele parece se rejuvenescer aos poucos.

-Sim, minha filha. Quanto mais você me conhece, mais eu fico jovem para você.

-Então meu pai, eu quero ficar aqui para sempre com o senhor, quero vê-lo em toda sua beleza e esplendor.

-Filha, ainda não compreendeste que eu e o Orum estamos em todo lugar, que para sentir-nos basta ter fé e para nos conhecer basta buscar o conhecimento de si próprio? Não é ficando aqui que vai evoluir, minha filha, você precisa buscar esse conhecimento no seu dia-a-dia lá na Terra ,em meio às pessoas e aos problemas terrenos. Não há sentido em buscar o conhecimento em outro plano sem poder colocá-lo em prática. Pois o conhecimento nada serve para alguém senão for para ajudar a si próprio e ao seu próximo. Eu preciso de você lá na Terra, minha filha, foi para isso que te enviei àquele lugar.

-O que? Eu sou uma enviada sua, meu pai?! Achei que eram só as entidades e orixás.

-Não, filha. Você é minha enviada. Na verdade todas as pessoas de bem são, mas a maioria deles se esqueceu disso quando cresceram e desaprenderam a amar.

-E esta angústia em minha alma que aparece de tempos em tempos em forma de depressão, meu pai, o que eu faço? Como posso ajudar as pessoas assim?

-Você tem que lutar minha filha. Por você ser especial, há forças poderosíssimas do outro lado querendo te atrapalhar em sua missão. A luta de todos é diária, não se pode baixar a guarda, nunca. Mas você pode contar conosco aqui do outro lado, sempre estivemos ao seu lado e nuca a abandonaremos. Há uma uma coisa que nem eu nem ninguém pode fazer por você: a sua parte.

-Está bem, meu pai, pode contar comigo, eu serei mais firme nessa luta.

-Então pode abrir os olhos novamente, filha.

Jacira abriu os olhos e viu que estava diante do jovem médium incorporado por um preto-velho. Ao se despedir do velho, que já não parecia mais tão velho assim, sentiu-se mais forte e animada. Desse dia em diante Jacira nunca mais deixaria de ver o Grande Pai Oxalá em todos os momentos de sua vida.
( Para o Alexandre)


Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

terça-feira, 27 de março de 2012

O BAILE DA POMBAGIRA


                       A DAMA DE ARUANDA

Bate o tambor no ritmo do coração umbandista

Da casa de Oxalá vem a Dama de Aruanda

Vem no passo dessa dança, no compasso dessa gira

Vem na força da mulher, no axé das energias

Balança, gira e roda a saia da Padilha

Flutua no ar os passos da bela dama

Roda, gira e volta no mesmo passo

Ela dança, ela gira, ela ri e seduz

Ela para e olha ao redor esbanjando seu charme

Uma cigarrilha entre os dedos

E os cabelos soltos aos ombros

Laça e leva consigo meu coração

A magia de seu olhar e a sabedoria de suas palavras

Me enfeitiçam, me atiçam, me ensinam e fascinam

E roda e roda a saia da cigana

E dança e balança esvoaçando seus cabelos

É brincadeira de roda, é gira de esquerda, é baile de rainhas

É a dama no centro roubando os corações

Hó, formosa dama dos meus sonhos

Me concede o prazer da contradança

Uma gargalhada reverbera no espaço

Pronto, eu sou seu eterno cativo

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá