Zé voltava do
Mercado municipal satisfeitíssimo com seu meio quilo de camarão defumado no
banco de trás do carro. A Rainha Mãe merecia o melhor, sua energia protetora estava
sendo sentida muito forte nas últimas semanas e agora, às vésperas de seu dia,
era hora de oferendar algo muito especial em agradecimento. Zé resolveu fazer o
melhor para ela, ia fazer o ebó yá, um prato raro nas oferendas, tanto pela
dificuldade de achar os ingredientes quanto pelo preparo cheio de regras e cuidados.
Mas bom filho de santo sabe como é, escolhe os maiores e mais perfeitos grãos,
o animal mais belo, as folhas mais verdinhas, o melhor camarão; enfim, tudo do
melhor. Zé chegou em casa e colocou os camarões junto com os outros ingredientes
que havia comprado durante a semana. Ele mesmo iria preparar esse prato. A
oferenda seria no dia seguinte.
Naquela noite,
cozinhou a canjica, sem tempero, somente na água. Levou a canjica à torneira
num escorredor e deixou esfriar na água corrente. Os grandes camarões defumados,
Zé deitou-os sobre uma frigideira com um fino fio de azeite branco, deixou dourar
levemente e tampou, cozinhando apenas o suficiente para ficar no ponto. O
cheiro se tornava irresistível. A Rainha Mãe ia gostar.
Colocou três
folhas de mamona sobre um balaio médio de palha e sobre elas despejou
suavemente a canjica cozida. Os camarões ornamentaram a borda do cesto em
fileira douradas, parecendo querer sair do prato. Sobre eles, Zé derramou com
todo cuidado mais um pouco um finíssimo fio de azeite branco, apenas um
pouquinho. É preciso cuidado, pois o azeite de dendê é quizila de Oxalá e a
canjica é a comida principal dele, por isso é bom não arriscar, não colocar
muito azeite sobre a canjica. Por fim Zé cortou algumas rodelas de cebola
branca e espalhou sobre ela. Pronto, o prato estava completo. Ao término, uma
oração cheia de esperanças em agradecimento pela honra de poder oferendar a
iguaria. A Rainha Mãe iria gostar, com certeza.
Ainda de
madrugada, Zé partiu com a família e os apetrechos no carro em direção à praia.
Tudo tranquilo, até a viajem parecia uma alegre cerimônia, nenhum problema no
caminho, a estrada estava incrivelmente fluindo. No caminho Zé ainda comprou um
barco de isopor azul, pequeno, mas grande o suficiente para carregar o prato
para bem longe das ondas. Já imaginava seu barco navegando além das ondas e
entregando pessoalmente prato todo especial. A Rainha ia gostar, isso era certo.
O dia estava
ensolarado e o mar estava um pouco agitado, um festival de ondas se sucedia e vinha
lamber os pés dos filhos na praia. Parecia que Iemanjá queria receber logo os
presentes. Na areia, eram inúmeros os ofertantes, uma imensa legião de pessoas
de todas as cores vestindo branco espalhavam-se pela orla, alguns até de
turbantes enfeitando a cabeça, todos felizes com seus pratos, barcos,
sabonetes, espelhos, flores e outros apetrechos de oferendas nas mãos. Zé olhou
ao redor e percebeu que seu ebó yá era o único. Sorriu. A Rainha ia gostar.
Adiantou-se
entre os demais ofertantes o mais longe que pode da areia e colocou seu barco
onde as ondas ainda iniciavam pequenas. Mas por alguma razão estranha seu barco
não flutuava, logo que era colocado sobre a água ele afundava. Zé, vendo que as
oferendas dos demais iam longe e os parentes na praia batiam palmas ao ver tal
espetáculo, tentou por diversas vezes fazer com que seu prato flutuasse ao
menos um pouco, para que a Rainha pudesse apreciar melhor a iguaria tão
delicadamente preparada. Nada adiantou. O barco não navegava meio metro sequer.
Ainda que Zé fosse o mais distante possível da praia, já molhado até a cabeça.
Não houve jeito. O barco afundava imediatamente. E assim o barco foi tragado
tão logo ele o soltou. E, por incrível que pareça, nem os restos de isopor
foram vistos sobre a água.
Zé voltou para
casa decepcionado, tanta dedicação e a Rainha Mãe não aceitara seu prato.
Pensou no trabalho que dera consegui os camarões, na dificuldade em arrumar
aquelas folhas de mamonas que não tinham em lugar nenhum da cidade, no carinho
que preparara o prato à noite e finalmente na oração com o coração cheio de
alegria ao final. Como ela pode não ter recebido a oferenda? Deveria ter
oferecido flores, pensou. No caminho de volta o silencio no carro era absoluto.
Nem as crianças manifestaram suas costumeiras brincadeiras entre eles e
preferiram dormir.
No dia
seguinte Zé foi conversar com seu Gerônimo, um velho benzedor conhecido do
bairro. -Pois é Se Gê, tanto trabalho para nada. Sem querer desmerecer, mas quando
vi todos aqueles pratos bem mais simples que o meu navegar pra bem longe e as
pessoas todas alegres batendo palmas enquanto o meu afundava igual pedra, o
senhor não imagina minha tristeza. O eu fiz de errado?
-É mesmo, meu
filho? He, he, he, he. O velho ria gostosamente da inocência do amigo. -Pelo
jeito você não conhece mesmo a mãe que tem, né. Pois quem disse que ela não
aceitou seu ebó yá? Saiba você que nenhuma oferenda a Iemanjá não é aceita até
que afunde. Ela deve te gostado muito do seu prato, né meu filho. He, he, he,
he.
O coração
inocente do Zé imediatamente encheu-se de alegria. A Rainha Mãe gostou, com
certeza.
Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá
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