MANDINGA DE AMOR
Nas últimas
semanas tinha sido assim, João se trancava no quarto por horas ao telefone,
falando com Claudia que morava do outro lado da cidade. Quando não era a conversa
por telefone era o bate-papo pela internet, ou mensagens no celular. Nem almoçava
direito. Dona Estela já não aguentava
mais aquilo, aquele melê todo, aquele nhém- nhém- nhém, aquele Claudinha pra
cá, Claudinha pra lá. Tudo tinha limite, até o amor tem limites.
Aquilo era
macumba da menina, só podia ser. A mãe tinha certeza. Há poucas semanas João
nem ligava pra essas coisas, queria mesmo era ficar estudando pro vestibular no
fim do ano que se aproximava. Ele dizia que não tinha tempo pra perder com
essas coisas de namoradinha, só ficava de vez em quando. Já tinha até escolhido
a área, medicina. Agora não tinha remédio, tinha até emagrecido.
-Joãozinho,
sai desse quarto um pouco, meu filho, abre a janela, tá um sol bonito lá fora. Você
está tão pálido, e esses olhos fundos? O que essa menina tem que você não para
de falar come ela? Onde ela mora? Qual a religião dela?
Dona Estela
foi procurar a Mãe Dara de Oxum, tentar desfazer aquele feitiço de qualquer
forma. Faria o que fosse preciso para isso. Mãe Dara era sua comadre, saberia o
que fazer, era ela quem ajudava sempre nestes momentos, haveria de lhe valer
agora também.
-Pois é, Dara,
o Joãozinho não quer saber de nada, só quer ficar no computador falando com
aquela lá e não estuda mais, não come, não sai daquele bendito quarto, nem dorme
direito. Agora fica falando tudo no diminutivo com ela no telefone e vive no mundinho
da lua com cara de bobo. Vai ter gira sexta? Vai ser de Caboclo, de Preto Velho
ou de quê? Preciso falar com a Pombagira, acho que só ela pode me ajudar.
Mãe Dara já
estava acostumada àquele tipo de interrogatório da comadre. Estela amava muito
o filho, era super-protetora, qualquer anormalidade, por mínima que fosse com o
Joãozinho, ela vinha lhe procurar. –Sossega seu coração, mulher. E quem foi que
disse que isso foi mandinga? Deixa estar que o amor também tem seus próprios
feitiços.
-Mas eu sei
que foi, Dara. Ele é só um menino ainda, não sabe direito o que está fazendo. Até
um dias desses ele nem queria saber de perder tempo de estudo com namorada,
agora ele só fala nela, só pensa nela, só vive pra ela; nem meu colo ele quer
mais. Isso não é normal, eu conheço meu filho, eu criei ele na aba da minha
saia, sei o que estou falando. É coisa de mãe, eu sinto.
Comadre, a
senhora já se apaixonou alguma vez? A senhora já gostou de alguém de verdade? Já
amou com amor de mulher alguém na sua vida? Já entregou seu coração sem medida a
alguém sem saber por que estava fazendo aquilo, simplesmente amava e não tinha
explicação? Pois é, comadre, eu posso lhe receber aqui na gira na sexta-feira,
a Mulanbo, a Padilha, a Sete Saias ou a Navalha podem lhe receber sim, mas
estou até vendo elas rirem debochadamente da senhora no meio da consulta.
Comadre, aprenda uma coisa, não existe magia, feitiço ou mandinga mais forte
que o amor, e isso não tem nada a ver com idade. Ele tem seus próprios
caminhos, não obedece a pessoas ou espíritos. Em toda essa minha vida na
umbanda jamais vi uma entidade dizer a alguém que vai fazer outra pessoa se
apaixonar por ela. O amor é pura confusão, a senhora sabe disso, ele chega, bagunça
o coração e a razão. Por isso nem guias, nem orixás, nem espíritos atrasados ou
evoluídos têm poder sobre ele. A senhora não lembra quando gostou do Antônio
aquela vez? Como a senhora ficou? Toda boba atrás dele. Mesmo ele sumindo por
dias, mesmo ele sendo um cafajeste. Mesmo nós todas dizendo que aquilo era loucura
a senhora não ouvia ninguém. Lembra?
Dona Estela
baixou a cabeça. Dara a conhecia muito bem, falar no Antônio foi golpe baixo. Na
verdade ele nunca saíra completamente de seu coração, e agora voltava com todo
seu cheiro e seu sorriso. A lembrança do beijo e de todos os bons momentos ao
lado dele apagava qualquer coisa ruim que ele lhe causara. A pergunta da comadre
despertou em si um amor adormecido há muito tempo, abriu uma ferida já cicatrizada.
Seus olhos pareciam perdidos no ar, olhando para dentro de si mesma. Depois de
algum tempo calada, Dona Estela só conseguiu fazer um último pedido.
-Comadre, será
que a senhora não faz algum trabalho pra trazer o Antônio não?
Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá
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