quinta-feira, 7 de junho de 2012

MANDINGA DE AMOR


MANDINGA DE AMOR


Nas últimas semanas tinha sido assim, João se trancava no quarto por horas ao telefone, falando com Claudia que morava do outro lado da cidade. Quando não era a conversa por telefone era o bate-papo pela internet, ou mensagens no celular. Nem almoçava direito.  Dona Estela já não aguentava mais aquilo, aquele melê todo, aquele nhém- nhém- nhém, aquele Claudinha pra cá, Claudinha pra lá. Tudo tinha limite, até o amor tem limites.

Aquilo era macumba da menina, só podia ser. A mãe tinha certeza. Há poucas semanas João nem ligava pra essas coisas, queria mesmo era ficar estudando pro vestibular no fim do ano que se aproximava. Ele dizia que não tinha tempo pra perder com essas coisas de namoradinha, só ficava de vez em quando. Já tinha até escolhido a área, medicina. Agora não tinha remédio, tinha até emagrecido.

-Joãozinho, sai desse quarto um pouco, meu filho, abre a janela, tá um sol bonito lá fora. Você está tão pálido, e esses olhos fundos? O que essa menina tem que você não para de falar come ela? Onde ela mora? Qual a religião dela?

Dona Estela foi procurar a Mãe Dara de Oxum, tentar desfazer aquele feitiço de qualquer forma. Faria o que fosse preciso para isso. Mãe Dara era sua comadre, saberia o que fazer, era ela quem ajudava sempre nestes momentos, haveria de lhe valer agora também.

-Pois é, Dara, o Joãozinho não quer saber de nada, só quer ficar no computador falando com aquela lá e não estuda mais, não come, não sai daquele bendito quarto, nem dorme direito. Agora fica falando tudo no diminutivo com ela no telefone e vive no mundinho da lua com cara de bobo. Vai ter gira sexta? Vai ser de Caboclo, de Preto Velho ou de quê? Preciso falar com a Pombagira, acho que só ela pode me ajudar.

Mãe Dara já estava acostumada àquele tipo de interrogatório da comadre. Estela amava muito o filho, era super-protetora, qualquer anormalidade, por mínima que fosse com o Joãozinho, ela vinha lhe procurar. –Sossega seu coração, mulher. E quem foi que disse que isso foi mandinga? Deixa estar que o amor também tem seus próprios feitiços.

-Mas eu sei que foi, Dara. Ele é só um menino ainda, não sabe direito o que está fazendo. Até um dias desses ele nem queria saber de perder tempo de estudo com namorada, agora ele só fala nela, só pensa nela, só vive pra ela; nem meu colo ele quer mais. Isso não é normal, eu conheço meu filho, eu criei ele na aba da minha saia, sei o que estou falando. É coisa de mãe, eu sinto.

Comadre, a senhora já se apaixonou alguma vez? A senhora já gostou de alguém de verdade? Já amou com amor de mulher alguém na sua vida? Já entregou seu coração sem medida a alguém sem saber por que estava fazendo aquilo, simplesmente amava e não tinha explicação? Pois é, comadre, eu posso lhe receber aqui na gira na sexta-feira, a Mulanbo, a Padilha, a Sete Saias ou a Navalha podem lhe receber sim, mas estou até vendo elas rirem debochadamente da senhora no meio da consulta. Comadre, aprenda uma coisa, não existe magia, feitiço ou mandinga mais forte que o amor, e isso não tem nada a ver com idade. Ele tem seus próprios caminhos, não obedece a pessoas ou espíritos. Em toda essa minha vida na umbanda jamais vi uma entidade dizer a alguém que vai fazer outra pessoa se apaixonar por ela. O amor é pura confusão, a senhora sabe disso, ele chega, bagunça o coração e a razão. Por isso nem guias, nem orixás, nem espíritos atrasados ou evoluídos têm poder sobre ele. A senhora não lembra quando gostou do Antônio aquela vez? Como a senhora ficou? Toda boba atrás dele. Mesmo ele sumindo por dias, mesmo ele sendo um cafajeste. Mesmo nós todas dizendo que aquilo era loucura a senhora não ouvia ninguém. Lembra?

Dona Estela baixou a cabeça. Dara a conhecia muito bem, falar no Antônio foi golpe baixo. Na verdade ele nunca saíra completamente de seu coração, e agora voltava com todo seu cheiro e seu sorriso. A lembrança do beijo e de todos os bons momentos ao lado dele apagava qualquer coisa ruim que ele lhe causara. A pergunta da comadre despertou em si um amor adormecido há muito tempo, abriu uma ferida já cicatrizada. Seus olhos pareciam perdidos no ar, olhando para dentro de si mesma. Depois de algum tempo calada, Dona Estela só conseguiu fazer um último pedido.

-Comadre, será que a senhora não faz algum trabalho pra trazer o Antônio não?

Zeca d’Oxóssi da Aldeia Tupinambá

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