SETE FLECHAS
Uma doce e suave
canção tirada de uma flauta de bambu anunciava a chegada do barco enfeitado de
flores e seu arranjo fúnebre, calmamente o barco deslizava sobre o tranquilo rio
Juti. Um som seco e lento de um tambor solitário veio juntar sua tristeza à da canção
da flauta, era a cerimónia de enterro do maior e mais valente guerreiro das
tribos kaiwri. A guerra entre as tribos dessa região, em um acordo único, parou
por sete dias para esta cerimônia. Guerreiros, caciques e pajés vieram de todos
os cantos conhecidos para o ato solene. Perfilados logo após a margem direita do
rio, mulheres da tribo Gapó choravam copiosamente a partida para o reino de
Tupã do bravo que as defendia com sua própria vida. Até os índios mais valentes
não seguravam a emoção e deixavam as lágrimas caírem livremente pela face, arrancando
a tristeza do peito. Enquanto em vida, o guerreiro, era exímio atirador de
flechas, lutava bravamente pelos seus e tinha o coração bondoso com todos,
inclusive com os inimigos. Nunca houve um caçador mais habilidoso, um amigo mais
leal, um guerreiro mais combativo e ao mesmo tempo mais doce e mais brando que
ele, era o que todos diziam em uníssono. Por isso, também vieram para a
cerimônia, além de outros representantes das forças universais, Ogum, o guerreiro
de ferro; Xangô, o orixá da justiça; Iansã, a rainha guerreira; Iemanjá, a
Grande Mãe das águas marinhas; Oxum, a deusa dos rios e cachoeiras, Obaluaê, o
orixá da evolução, até Oxóssi, o senhor das falanges a qual pertencia o índio guerreiro,
veio pessoalmente também prestar sua homenagem. Além desses orixás africanos que
adotaram as terras brasileiras e outros representantes das forças universais, Shiva,
o deus do oriente que exalava seu perfume de bálsamo oriental e Miguel, o arcanjo das falanges celestiais, também
estavam presentes. Todos em silêncio, perfilados à margem esquerda do rio.
Enquanto o
cortejo passava tranquilamente carregado pelas águas do rio, os pajés com seus
cachimbos e maracás entoavam mantras sagrados, cada um em sua própria língua, e
requeriam dos guias espirituais ajuda para a entrada do guerreiro no reino de
Tupã.
Uma última
batida de tambor cessou todo o som no local e um índio abatidíssimo de tristeza,
amigo de Sete Flechas em vida, destacou-se do meio do pelotão de guerreiros e
esticou seu arco, enquanto o cacique da tribo acendia com uma tocha a ponta da
flecha, o índio apontou para o barco florido e atirou sua seta flamejante. A
flecha cortou o vento em assobio sibilante e descreveu uma parábola no ar,
acertando o canto do barco. Logo as chamas se espalharam e uma forte comoção
tomou conta de todos os presentes - deuses e mortais. O encontro da emoção de
Shiva, o deus perfumado do oriente, com a comoção dos orixás africanos provocou
um frenesi no ambiente e uma histeria coletiva começou a tomar conta dos corações
e bocas dos mortais. Enquanto a o fogo se espalhava pelo corpo do valente no
barco, a fumaça ganhava contornos diversos que se elevavam aos céus em espirais.
Choros copiosos, mantras sagrados, sons de maracás, gritos de guerra, batidas
no peito, tambores retumbantes, flautas histéricas e vozes em línguas diversas
formavam uma corrente de energia que sua vibração podia ser ouvida, sentida e
vista a olho nu por qualquer mortal. Até os animais da floresta, do rio e do ar
pararam neste instante em profundo sinal de respeito.
Por fim, num
tufão de chamas e fumaça esbranquiçada, Sete Flechas levantou-se de seu esquife,
e olhando para a margem esquerda, onde estavam os deuses, fez seu sinal de
agradecimento e, espalhando-se por cima dos índios lamentosos do lado direito
do rio, ganhou rapidamente os céus em direção ao reino de Tupã.
Logo uma
reunião entre os deuses ali presentes se formou, confabularam entre si algumas
questões e depois permaneceram em silêncio novamente. Pouco depois o índio que
acendera aos céus retornava, agora com seu ofá carregado de flechas às costas,
seu arco na mão e um cocar feito coroa colorida a cobrir-lhe a cabeça, parecia
mais alto e mais forte que antes.
Ajoelhou-se
ante os seres celestiais em sinal de aceitação de sua missão. Oxóssi se
aproximou e colocou uma flecha em seu braço direito, era seu presente ao filho
valente, era o poder de curar os enfermos transferido a ele. Em seguida Ogum
também se aproximou e colocou em seu braço esquerdo outra flecha, era o poder
de defender os filhos na terra de todas as maldades. Xangô também lhe deu seu
presente, uma flecha que cruzou em seu peito para que ele defendesse a
humanidade de toda injustiça; e assim seguiu Iansã, que cruzou outra flecha em
suas costas para que ele defenda seus filhos de qualquer traição; Oxum, que colocou
uma flecha em sua perna esquerda para que ele possa lavar os caminhos do homem
e os defender de todas as forças contrárias à vontade divina; Iemanjá com uma
flecha em sua perna direita para que ele possa abrir os caminhos materiais e
espirituais de tantos filhos por ela amados; e por fim Obaluaê, que colocou em
suas mãos sua flecha sagrada para que ele distribuísse à humanidade a divina
força da fé e da verdade. Shiva, por sua vez, encantou o índio com seu
maravilhoso perfume das terras do oriente.
Renovado e
abençoado pelos deuses, o guerreiro em novo corpo agradeceu os presentes, levantou-se,
e, virando-se em direção aos seus do outro lado do Juti, soltou um forte brado
de guerra. As tribos da outra margem do
rio fizeram grande alarido de alegria com gritos, flautas, tambores e maracás, e
o que era pranto se tornou uma grande festa entre deuses e índios. A comemoração
seguiu pela noite afora e a alegria pela mata adentro, e a partir desse dia as
guerras entre as tribos daquela região cessaram para sempre, pois o índio,
agora elevado à condição de protetor dos filhós de Oxalá e Tupã, era parte de
todas as tribos e os tornou uma só família.
(Ao meu Pai Cristiano de
Oxosse)
Zeca d’Oxóssi da Aldeia
Tupinambá
Que coisa mais linda! É uma inspiração divina.
ResponderExcluirLindo mesmo!
Retome o blog.
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